sábado, 20 de outubro de 2007

A Parturiente

Eu já estava em frente ao caixa quando a moça chegou. Grávida de uns 4 meses. Pelo jeito, era cliente, pois ficou batendo papo com a moça simpática e séria que servia o café. O assunto, claro, era o bebê e o parto. Não me lembro das palavras exatas que a jovem grávida utilizou, mas o fragmento de conversa que eu ouvi foi mais ou menos assim: “Eu ainda tive que ficar uma hora discutindo com o médico. Eu quero cesárea de qualquer jeito. Parto normal, nem pensar. Médico é fogo. A gente é que paga, mas tem que fazer o que eles querem!”.

Sorte que eu já estava na porta, saindo do café, de costas para ela. Assim ela não pôde ver a minha cara. Tive que me segurar para não rir alto. Essa idéia de ir ao médico e se indignar com o fato de ele lhe fazer uma recomendação me pareceu tão engraçada! Se a lógica do “eu pago, eu mando” ou “o cliente sempre tem razão” se aplicasse aos médicos, de que eles serviriam? Para quê ir ao médico?

Não acho que a moça fosse obrigada a optar pelo parto normal, considerando que se tratasse mesmo de uma opção – o que não sei se é verdade para todos os casos. Se existem duas possibilidades de se trazer ao mundo uma criança – pelo parto normal ou pela cesárea –, ela que escolha o meio que mais lhe aprouver. O que me chamou a atenção foi a indignação dela com a postura do médico de recomendar um método, explicando prós e contras. Pior ainda foi a justificativa dessa indignação: era ela quem estava pagando!

Parecia que ela estava comprando um vestido, uma bolsa ou mesmo escolhendo o quarto do bebê. Era ela quem estava pagando, portanto, ela é quem deveria decidir. Nada de palpites ou recomendações. Eu te pago para você fazer o que eu mandar.

Em parte, até entendo a confusão da moça. Algumas clínicas médicas parecem mesmo lojas. E as maternidades, hotéis de luxo. Vende-se terapias, exames, filmagens, fotos. Mas não me entenda mal. Acho ótimo que um hospital, especialmente uma maternidade, seja um lugar bonito e agradável, que faça com que o paciente – eu disse “paciente”, e não “cliente” – sinta-se bem, como se estivesse em casa. O fato é que há muita gente exagerando por aí.

Quanto à gestante em questão, não consegui deixar de pensar no bebê. Criança de sorte, essa que ela está esperando. Vai juntar seu primeiro milhão antes dos dez anos. Já que quem paga manda, o inverso também se aplica: obedece quem recebe. “Filho, te dou dois reais se você largar a chupeta, pago 5 pra você ir à escolinha, 3 pra não morder mais seus amiguinhos...”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Sil

O pior é que este conceito do "eu pago, eu mando" também fica estabelecido em muitas escolas. Ainda não é o caso da escola que escolhi para meu filho, mas temo que um dia possa acontecer também. Só para ilustrar, conto a história vivida por uma amiga, professora primária de uma escolinha com alunos de alto poder aquisitivo. Num final de aula de trabalhos manuais, a professora pediu ajuda para as crianças arrumarem as coisas: tampar as tintas, lavar os pincéis... um dos menininhos reagiu assim: "eu não, guarda você. Meu pai te paga pra isto". Ah, esqueci de mencionar que o garoto tinha quatro anos. Ela ficou tão chocada que levou o caso à diretora, que reagiu: não podemos fazer nada, o menino até tem razão! Por estas e outras, ela acabou desistindo da profissão.

um bj
Cris