quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Aquecimento global, blockbusters e documentários

Afinal, que história é essa de aquecimento global? Cada vez que leio sobre o assunto fico intrigada. Na semana passada, li no Valor uma matéria intitulada “ONU alerta que crise ambiental já é ameaça à existência humana”. Considerando que a ONU goza de certa credibilidade e que a sobrevivência do homem na Terra é tema que afeta uma “parcela significativa” de pessoas, essa não deveria ser matéria de capa, manchete principal do jornal?

Não era. Ocupava 1/8 da 10ª página do primeiro caderno do jornal, canto inferior direito. Não porque todo mundo saiba que isso não é verdade ou que ninguém acredite nessa possibilidade, mas, simplesmente – pasmem – porque não há novidade nenhuma nessa informação.

Em novo estudo, a ONU alerta para o velho problema da sobrevivência da espécie humana e dos riscos da exploração desenfreada, descontrolada e burra que fazemos do nosso meio ambiente. A matéria cita ainda um relatório “histórico” (“Our Common Future”), divulgado há 20 anos, que já pedia o desenvolvimento sustentável. Ou seja, o assunto é velho mesmo.

Aqui no Brasil, tudo bem. Parece que não levamos nada muito a sério – nem nós mesmos. Muito menos a ciência. A palavra “prevenção” não é muito freqüente em nosso vocabulário. Preferimos a “redenção” da risada, da cachaça e do carnaval. (E isso não é uma crítica, é mais uma constatação.)

Mas e o resto do planeta?

Engraçado é que os filmes-catástrofe fazem sucesso por aí. Ora falta água (Mad Max), ora falta terra (Waterworld), ora metade do globo congela (O Dia Depois de Amanhã), ora um vírus mortal destrói tudo e todos (Os Doze Macacos). E há muitos outros exemplos.

Em todos eles, quase sempre há um mocinho visionário que tenta alertar todo mundo da catástrofe que está por vir, mas nunca é ouvido logo de cara. E nós ficamos torcendo por eles e não entendemos como todo mundo pode ser tão burro de não perceber que eles têm razão.

Qual é o problema então? Será que somos inconseqüentes por natureza? Ou será que simplesmente não sabemos o que fazer? Ou pior, sabemos, mas dá muito trabalho ou exige esforço demais. Melhor sentar e esperar alguém resolver o problema.

Hoje eu tive uma pequena amostra do impacto do aquecimento global na minha vida. O ar condicionado do escritório quebrou. E, em São Paulo, a cidade do concreto, o ar condicionado é tudo. Em dias como hoje, dá pra ver a fumaça subindo do asfalto da avenida paulista. Até o vento é quente. Aliás, não é vento, é bafo. No final do dia, vêm as pancadas de chuva e os alagamentos, pois, com tanto concreto, a água não tem por onde escoar.

Bom, enquanto houver filmes-catástrofe pra gente assistir, acho que tudo estará sob controle. O problema virá quando eles forem substituídos por documentários. Mas acho que eu não estarei aqui para conferir.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Enterro Celestial

Adoro ler. Mas não costumo ter vontade de chorar quando leio um livro. É diferente de um filme. Nos filmes, as imagens já vêm prontas, o diretor controla a duração de cada uma, a passagem de uma para outra, a iluminação da cena, cada gesto, olhar, som. Isso sem falar da trilha musical, que, sozinha, pode nos jogar da euforia à depressão, do riso descontraído à ansiedade.

No texto não. O autor não tem controle das imagens que formamos quando lemos. Ele apenas nos dá indicações, pistas mais ou menos claras. Por mais descritiva que seja a narrativa, cada leitor singular fará sua própria composição. Com ou sem música de fundo.

Por isso acho mais difícil levar o leitor às lágrimas do que o espectador. Causar impacto emocional imediato.

Não me entenda mal. Não acho que os filmes sejam mais ou menos emocionantes que os livros. Não se trata de uma competição. Depende do livro. Depende do leitor. Depende do momento, da ocasião, da temperatura, não importa.

Eu me lembro uma vez, ainda adolescente, quando tentei ler um livro do Stephen King e desisti. Fiquei com medo. E me senti ridícula por isso. O que não aconteceria se fosse um filme de terror.

Por isso me surpreendi com “Enterro Celestial”. Mais de uma vez tive que fazer um intervalo na leitura para não dar muita bandeira. (Uma maluca, com um livro na mão, derramando lágrimas sobre uma xícara de café!)

E não tive que segurar o choro por conta de alguma atrocidade: um espancamento, uma cena de tortura ou abuso sexual, um homicídio. Não. As lágrimas me vieram aos olhos porque uma mulher deu a outra uma perna de carneiro. (Não ria ainda. Leia o livro primeiro. Depois conversamos.)

Xinran, autora chinesa (mais conhecida por “As boas mulheres da China”), narra a história de Wen, também chinesa, que, no final dos anos 50, arrisca-se numa viagem ao Tibet em busca do marido desaparecido. A autora é jornalista, e a história nos é apresentada como sendo baseada no depoimento verídico dessa personagem, Wen.

Embora não se encontre, ao longo do texto, evidência alguma de que isso seja verdade – tanto o depoimento como a veracidade dele – isso pouco importa. A história é pretexto para nos mostrar um pouco do Tibet e da China, mas, principalmente, do embate entre culturas distintas – melhor seria dizer mundos.

Para o leitor brasileiro, é engraçado acompanhar a surpresa de Wen em face aos costumes tibetanos, uma vez que, para nós, os costumes chineses também podem ser bastante surpreendentes.

Estamos tão acostumados a enxergar a vida unicamente do nosso ponto de vista que acabamos ignorando o fato, mais do que óbvio, de que ela pode ser vivida de formas muito diferentes. E, principalmente, de que fazemos nossas escolhas, tendo ou não consciência disso.

“Enterro Celestial” é uma história de amor e tolerância. Comovente. Doce. Interessante. Vale a pena.

Ficha Técnica: “Enterro Celestial”, de Xinran, São Paulo: Companhia das letras, 2004.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Sarcozy em laços de família

Na semana passada, a França aprovou uma nova lei de imigração. Entre as novidades, a realização de testes de língua e de “valores franceses” – o que será isso? – além de exames de DNA, obrigatórios, para os “candidatos a imigrantes” que desejarem comprovar parentesco com os imigrantes já residentes no país.

Confesso que não simpatizo com Sarcozy desde a época em que ele ainda era ministro do interior e virtual candidato à presidência da França. Sua postura e suas declarações durante a tal da “intifada francesa” ou, melhor dizendo, aquela onda de incêndios a carros e prédios protagonizada por jovens imigrantes, franceses ou não, legalizados ou não, não deixaram espaço para dúvidas: Sarcozy mostrou a que veio.

Mas, se ele foi eleito presidente da França, é sinal que muita gente por lá - pelo menos a gente que vota e que tem peso para decidir uma eleição - concorda com ele.

Ainda assim, e mesmo que Sarcozy fosse uma doce e meiga criatura, não dá para ter muito boa vontade com essa nova lei. Para não subverter demais a ordem (nada) natural das coisas, vamos admitir que cada porção do planeta, a que se convencionou (quem convencionou o quê? eu não assinei nada!) chamar de país, pertença a este ou àquele grupo de pessoas e que estas tenham pleno direito de impedir que outros dele se aproximem (é assim que se fazem, ou pelo menos faziam, as guerras, não?). Sendo assim, pode-se permitir ou proibir a imigração.

Se proibida, tudo bem, não há mais nada a dizer. Mas, se permitida, a questão é saber de que modo se dará essa permissão. Será total ou irrestrita? No caso da França, existem restrições. E o limite delas é que é o problema.

Acredito que haja espaço para muita discussão entre o que seria uma limitação aceitável ou não, mas, no caso da obrigatoriedade do exame de DNA para comprovação de laços de família, só vejo lugar para uma coisa: preconceito.

O critério “sangue” há muito se mostrou insuficiente para definir e identificar uma família – se é que um dia o foi. A natureza da matéria que une as pessoas a ponto de elas se reconhecerem como pai, mãe, filhos, avós e sabe-se lá o que mais pode ser difícil de definir, mas é muito fácil dizer o que não é: pura biologia. Realmente, não sei qual seria a contribuição do exame de DNA nisso tudo.

Ainda assim, essa discussão toda em torno da movimentação de pessoas ao longo do globo – que de forma alguma se restringe a um problema da França – é muito estranha. Uma hora somos compelidos à cidadania global e outra, viramos ferrenhos defensores do nosso quinhão de terra!

sábado, 27 de outubro de 2007

O Rio de Janeiro continua lindo

O governador e o secretário de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro causaram alvoroço essa semana. Um ao afirmar que a comoção social provocada por um tiroteio num bairro “chique” seria muito maior do que a resultante de um tiroteio numa favela. ("Um tiro em Copacabana é uma coisa; um tiro na Coréia, um tiro no Complexo do Alemão, é outra"). O outro, ao defender o aborto como meio de combate à violência. (“Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginais.”)

Não vou discutir a postura, credibilidade ou responsabilidade de cada um dos personagens citados acima. Também não farei menção à profissão e ao cargo que ocupam, muito menos à imagem que a carreira política goza no Brasil. Não. Pretendo me ater às respectivas declarações.

Quem, em sã consciência, teria o desplante de declarar que, no Brasil, um tiroteio na favela causaria a mesma repercussão que um tiroteio num bairro de classe média ou alta (falando claramente: de “gente rica”)? Se houver alguma dúvida, basta comparar a cobertura dos jornais em um ou outro caso ou consultar as estatísticas de incidentes assim. É fato que tiro em favela é muito mais corriqueiro e dá muito menos ibope do que tiro em bairro de gente rica.

Mas a coisa ainda piora quando se tenta explicar a razão dessa disparidade de tratamento – profundamente injusta – pondo a culpa na polícia ou no governo. Nós, sociedade, somos a polícia e o governo. Nós, sociedade, é que reagimos de forma diferente a situações como essas. Nós, sociedade, damos pesos distintos à vida de gente pobre e à vida de gente rica.

Quem vive na favela convive muito de perto com a violência. A violência combatida pelo Estado somada à violência praticada pelo Estado. A violência institucional. A violência da marginalização. A violência que, de incidente isolado e excepcional, transforma-se em rotina.

Onde ocorrem as chacinas? Se pelo menos uma vez por mês você tropeça num corpo na esquina da sua casa, no final do ano você já tira de letra essa situação. Torna-se parte do seu cotidiano. Como as crianças que vemos no farol ou mendigando nas ruas. Você pode até ficar deprimido, mas não leva nenhuma pra casa.

Quanto à relação entre criminalidade e aborto, não li Freakonomics e não conheço nenhuma pesquisa sobre o tema. Mas acredito que a visão da favela como berço de marginais seja, infelizmente, compartilhada por muita gente. E o aborto, como solução para o problema, surja como uma idéia brilhante, muito melhor do que oferecer educação – aliás, “direito de todos e dever do Estado” (artigo 205 da Constituição Federal brasileira).

Por isso, o que mais me incomodou nisso tudo não foram as afirmações – reprováveis ou não – mas sim a hipocrisia das reações. Enquanto não assumirmos nossos preconceitos e nossa participação na sociedade em que vivemos, não vamos conseguir mudar coisa nenhuma.

O Rio de Janeiro continua lindo, mas a violência por lá, e em muitas outras cidades do Brasil, como São Paulo, há muito extrapolou as piores expectativas – já bastante baixas – dos seus moradores e se prolonga por tempo suficiente para ser chamada de crônica.

Eleger um vilão para essa história – seja o governo, seja a polícia –, sem reconhecer a parte que nos cabe, não me parece de grande ajuda.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Cinzas do Norte

Já faz algum tempo que queria ler um livro do Milton Hatoum. Ganhei no Natal, porque pedi, mas só li agora. Cinzas do Norte se passa em Manaus e conta a história de duas famílias. Não que isso realmente importe.

O livro é ótimo. Os personagens são humanos, reais, bons e maus ao mesmo tempo. Você oscila a todo instante, ora simpatizando com um, ora com outro. E assim vai, nesse movimento de simpatias e antipatias, até que você acaba torcendo por todo mundo, mesmo sabendo que a história não pode ter um final lá muito feliz, afinal, como eu disse, os personagens são “reais” e, na vida real, não existem finais hollywoodianos.

Quem nos conta a história é Olavo, amigo de Mundo, o personagem central. Portanto, o narrador é também personagem. E personagem bastante tímido, pois pouco nos conta da sua vida, dos seus sentimentos, da sua história. Não se dá a devida importância. Ele é quase ninguém.

Além desse narrador, o autor usa o recurso das cartas para dar voz a um outro personagem, este sim bastante presente em todo o livro: Ranulfo, o tio de Olavo e candidato a pai “ilegítimo” de Mundo.

Manaus, mais do que cenário, é um personagem à parte. Triste e pobre. Sofrido. A decadência da cidade se confunde com a decadência da família de Mundo. Decadência emocional e financeira.

Desde as primeiras páginas, o autor já nos dá o tom trágico da história de Mundo. O permanente conflito entre ele e seu pai, Jano, que parece girar em torno das aspirações artísticas do menino não coincidirem com as ambições do pai. Mas, conhecendo Alícia, mãe de Mundo, dá para desconfiar de muitos outros motivos.

Existe algo de inexorável na história de Mundo. Não importa as inúmeras variações possíveis, não importa as várias versões do destino, a revelação de segredos. Tudo sempre terminaria do mesmo jeito. Para ele, nunca haveria redenção possível na relação pai e filho.

Uma história sem mocinhos ou bandidos. Mas, acima de tudo, uma história bem contada.

Ficha Técnica: “Cinzas do Norte”, de Milton Hatoum, São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Segundo Piso

Adoro doces, especialmente torta de limão. Acompanhada de café, claro. Preto, forte e amargo. Combinação perfeita.

Uma vez por semana, eu me entrego a esse prazer. Verdadeiro ritual. Misturo o recheio azedo do limão com o marshmellow da cobertura. Guardo um pedacinho da massa para o bocado final, que tem de ser completo: massa, recheio e cobertura.

O Café fica no subsolo do Shopping. Do balcão, vê-se as escadas que levam ao térreo e o próprio piso do térreo.

Estava lá outro dia... Ah, esqueci de dizer que era segunda-feira! Comer torta de limão com café numa segunda-feira, dia mundial do mau-humor, deve significar alguma coisa. Ainda mais porque segunda-feira também é o dia mundial do (começo de) regime. Enfim, uma subversão!

Mas eu estava lá outro dia, concentrada no meu doce, quando chegou uma senhora. Arrumada, sem ser chique. Celular colado ao ouvido. Combinava um local de encontro com alguém.

“Eu estou aqui, naquele Café, aquele...” – parou um instante olhando ao redor, indecisa – “do segundo piso”. Virou-se para a moça atrás do balcão do Café que aguardava o desfecho da conversa para oferecer um cafezinho, quem sabe um doce também, àquela senhora. “Estamos no segundo piso?”, perguntou a mulher em busca de confirmação.

A mocinha titubeou. Mas decidiu-se tão rápido que mal deu pra notar sua hesitação. “É sim, primeiro piso” – disse, levantando a mão até a altura dos olhos e cortando o ar à sua frente quase na mesma linha do chão do piso térreo que ela entrevia dali mesmo, do balcão –, “segundo piso”, concluiu fazendo o mesmo movimento com a mão, mas, dessa vez, na linha da cintura, feliz por poder ajudar.

A essa altura, eu já estava quase me afogando na minha xícara de café, com vontade de rir.

Pensei em esclarecer a confusão. Mas a lógica da mocinha era tão cativante! Depois, sei que tenho o mau hábito de me intrometer na conversa dos outros. Mesmo para ajudar, não deixa de ser um mau hábito.

A moça atrás do balcão parecia feliz por estar ali, naquele lugar bonito, naquele café chique, naquele uniforme. Imaginei que talvez ela não estivesse acostumada com essa parafernália de prédio: 2º subsolo, 1º subsolo, térreo, térreo baixo, térreo alto, mezanino, 1º andar, 2º andar... e outras invencionices.

Como se o mundo dela e o do Shopping fossem dois, distintos. Um contraste enorme. E ela, feliz da vida. Pelo menos naquele instante. Essa tal sociedade que inventamos é tão esquisita!

O Brasil não é a Suíça

“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Essa regra está listada entre os direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal brasileira.

Parece óbvio. Como punir alguém por um crime que não cometeu? Por mais volátil que seja o conceito de justiça, por mais que ele sofra temperos culturais, simplesmente não parece “justo” que o Estado estenda a punição do criminoso aos seus familiares, inclusive crianças.

Tratar o crime como uma espécie de doença hereditária não parece razoável em pleno século XXI. Lembra da velha metáfora da maçã, aquela que diz não ser preciso mais do que uma única maçã podre para pôr a perder toda a cesta? Pois é, o crime é contagioso. Contamina.

Expulsar estrangeiros condenados por crimes e suas respectivas famílias, criar barreiras mais rígidas à imigração e restringir as formas de aquisição de nacionalidade. Essas são algumas das medidas que o Partido do Povo Suíço (SVP), o grande vencedor das eleições gerais recém-realizadas, promete implementar.
Isso mesmo. Estamos falando da Suíça. Aquela mesma Suíça sempre citada como paradigma da sociedade-padrão civilizada, no melhor sentido da expressão.

Para se ter uma idéia do que vem pela frente, basta lembrar do material utilizado na campanha do SVP – que, a julgar pelo resultado das eleições, parece representar o pensamento de parte significativa da população suíça. O Partido do Povo Suíço distribuiu cartazes onde figuravam três meigas ovelhinhas brancas, com a bandeira da Suíça estampada ao fundo, chutando para fora uma ovelha negra. A frase em destaque: “Para ter segurança”.

Até agora, quando alguém dizia “você pensa que estamos na Suíça?”, era sempre para me lembrar dos problemas estruturais do Brasil, das nossas dificuldades em dar condições de cidadania e respeito ao povo brasileiro.

Se a ameaça do SVP se concretizar, no entanto, da próxima vez que disserem que o Brasil não é a Suíça, vou respirar aliviada: graças a deus!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Um Exocet - Calcinha!

A repressão violenta às manifestações pacíficas dos monges budistas e da sociedade civil, por parte da junta militar que governa Mianmar, causa repulsa no mundo “dito” civilizado. Mas parece que não passa disso.

O governo militar continua firme e forte, desrespeitando direitos fundamentais do homem – entre eles, o “kit básico”: direito à vida, à integridade física e à liberdade de expressão. Fala-se muito. Faz-se muito pouco.

Os manifestantes pedem por democracia (o país vive sob regime militar desde 1962) e por melhores condições de vida. O governo militar responde enviando o exército contra os monges. (Cá pra nós, há poucas imagens tão arraigadamente associadas à não-violência como a de um monge budista.)

Notícias (denúncias) de repressão à liberdade de imprensa, assassinatos, espancamentos e várias outras modalidades de violência arbitrária, desproporcional e – pior de tudo – institucional. Entre os protagonistas, o general Than Shwe, líder do Conselho de Estado para a Paz e o Desenvolvimento que responde pelo governo militar. Paz e Desenvolvimento!

Detalhe: em 1990, a democracia ameaçou retornar ao país. Em eleições livres, a Liga Nacional pela Democracia, chefiada por Aung San Suu Kyi, saiu-se vitoriosa. O governo militar, porém, anulou o processo. Aung San Suu Kyi não conseguiu exercer o mandato recebido e acabou recolhida em prisão domiciliar. Em 1991, a ativista pela democracia recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Não conheço Mianmar. E não acredito que a pouca informação que circula na internet e na mídia em geral seja condizente com a realidade do país, sua cultura, sua história. Mesmo assim, prefiro me arriscar com o que tenho a deixar de me manifestar.
Nesse último final de semana, li no Estadão (de 20 de outubro de 2007, pág. A27) matéria que falava sobre uma campanha contra a repressão batizada de “Calcinhas pela Paz”. Maluquice ou não, é bom saber que alguém está fazendo alguma coisa.

Parece que a iniciativa se apóia numa superstição corrente no país de que o contato com peças íntimas femininas enfraqueceria os homens. Por isso o movimento pede que as mulheres de todo mundo enviem calcinhas para o governo militar de Mianmar.

Fausto Fawcett já vaticinava sobre o potencial beligerante das calcinhas. Quem sabe Kátia Flávia, a Godiva do Irajá, com suas calcinhas Exocet não seja a salvação dos monges budistas? Ela, sozinha, arrasaria todo um quartel.

sábado, 20 de outubro de 2007

A Parturiente

Eu já estava em frente ao caixa quando a moça chegou. Grávida de uns 4 meses. Pelo jeito, era cliente, pois ficou batendo papo com a moça simpática e séria que servia o café. O assunto, claro, era o bebê e o parto. Não me lembro das palavras exatas que a jovem grávida utilizou, mas o fragmento de conversa que eu ouvi foi mais ou menos assim: “Eu ainda tive que ficar uma hora discutindo com o médico. Eu quero cesárea de qualquer jeito. Parto normal, nem pensar. Médico é fogo. A gente é que paga, mas tem que fazer o que eles querem!”.

Sorte que eu já estava na porta, saindo do café, de costas para ela. Assim ela não pôde ver a minha cara. Tive que me segurar para não rir alto. Essa idéia de ir ao médico e se indignar com o fato de ele lhe fazer uma recomendação me pareceu tão engraçada! Se a lógica do “eu pago, eu mando” ou “o cliente sempre tem razão” se aplicasse aos médicos, de que eles serviriam? Para quê ir ao médico?

Não acho que a moça fosse obrigada a optar pelo parto normal, considerando que se tratasse mesmo de uma opção – o que não sei se é verdade para todos os casos. Se existem duas possibilidades de se trazer ao mundo uma criança – pelo parto normal ou pela cesárea –, ela que escolha o meio que mais lhe aprouver. O que me chamou a atenção foi a indignação dela com a postura do médico de recomendar um método, explicando prós e contras. Pior ainda foi a justificativa dessa indignação: era ela quem estava pagando!

Parecia que ela estava comprando um vestido, uma bolsa ou mesmo escolhendo o quarto do bebê. Era ela quem estava pagando, portanto, ela é quem deveria decidir. Nada de palpites ou recomendações. Eu te pago para você fazer o que eu mandar.

Em parte, até entendo a confusão da moça. Algumas clínicas médicas parecem mesmo lojas. E as maternidades, hotéis de luxo. Vende-se terapias, exames, filmagens, fotos. Mas não me entenda mal. Acho ótimo que um hospital, especialmente uma maternidade, seja um lugar bonito e agradável, que faça com que o paciente – eu disse “paciente”, e não “cliente” – sinta-se bem, como se estivesse em casa. O fato é que há muita gente exagerando por aí.

Quanto à gestante em questão, não consegui deixar de pensar no bebê. Criança de sorte, essa que ela está esperando. Vai juntar seu primeiro milhão antes dos dez anos. Já que quem paga manda, o inverso também se aplica: obedece quem recebe. “Filho, te dou dois reais se você largar a chupeta, pago 5 pra você ir à escolinha, 3 pra não morder mais seus amiguinhos...”.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Genocídio

A palavra é forte. Mais do que violência, ela traduz um desequilíbrio de forças, uma sensação de abuso de poder, de covardia. O grau de reprovação que desperta é ainda maior do que o de uma situação de guerra. Talvez por isso eu tenha ficado tão incomodada com o debate que mais uma vez assolou a imprensa, referente ao genocídio praticado pelos turcos contra os armênios em 1915.

Primeiro li uma pequena nota em que se dizia, com outras e poucas palavras, que o governo turco ameaçava retirar seu apoio aos EUA no Iraque em represália à eventual aprovação de resolução, pelo parlamento americano, declarando o genocídio. Detalhe: o governo turco nega o massacre. Portanto, não seria o caso de ele reprovar a atitude americana utilizando dados, informações, argumentos que demonstrassem que o genocídio, de fato, não aconteceu? Não entendi essa lógica torta: para impedir que se declare caracterizado o genocídio, promete-se “vingança”.

Muitas outras matérias sobre o tema foram publicadas. Discute-se o futuro da parceria entre EUA e Turquia, os reflexos desse incidente na oscilação do preço do petróleo, a situação dos EUA no Iraque com o eventual fim do apoio logístico proporcionado pela Turquia. Tudo, menos o massacre. Ninguém parece interessado em discutir o fato em si – o genocídio.

À primeira vista, a impressão que se tem é de que a tese contrária à caracterização do massacre como genocídio não é “defensável”. Outros países, antes dos EUA, já declararam seu entendimento sobre o assunto, afirmando a tese do genocídio. Mas, em se tratando de política, tudo é possível. Pela rápida e simples leitura das notícias, não dá para saber quais são os interesses realmente envolvidos nessa discussão, ou por que o tema tem alcançado tanto destaque agora, passados mais de 90 anos do fato. Enfim, não saberia dizer quais são as implicações desse imbróglio no cenário internacional.

Para piorar ainda mais a situação, li hoje a seguinte declaração do presidente Bush, com direito a aspas e tudo, em resposta à aprovação, pelo parlamento turco, de uma eventual operação militar em território iraquiano: “Queremos deixar claro à Turquia que, em nossa opinião, não é de seu interesse enviar militares para o Iraque” (Jornal Valor Econômico, de 18 de outubro de 2007, pág. A14).

Não entendi. Por que os EUA vêm a público informar à Turquia o que é, “na sua opinião”, do interesse da Turquia? Não seria ela própria, a Turquia, que estaria em condição de avaliar o que é ou não do seu interesse? Enfim, como no cenário internacional picuinha se chama incidente diplomático, acho que esse poderia ser mais um de uma longa lista.

Turquia, EUA, Iraque... São esses os protagonistas das histórias que têm circulado ultimamente. Mas, e os armênios? Não teriam eles um papel relevante nessa história? Não deveriam se manifestar? Onde estão os armênios? Gostaria de saber por que ninguém fala deles.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O cachorro

Chegaram em grupo. Uma mulher e dois homens. Um deles falava com sotaque, com certeza era “gringo” – e escrevo gringo sem nenhuma conotação pejorativa, muito pelo contrário! Era ele, o gringo – daqui pra frente sem aspas –, quem narrava o encontro; na verdade, uma viagem romântica com direito à lareira e fondue.

Tudo perfeito, não fosse o cachorro. Não que o gringo fosse um cachorro, claro que não! Não que a namorada do gringo tivesse se envolvido com um cachorro! Não. Pelo menos não com um de duas patas.

O problema era sim o cachorro dela, mas um bichinho de quatro patas mesmo, desses que late e baba por todo canto. O cão ficou em São Paulo enquanto o casal partiu para sua viagem romântica. Hospedado em um hotel. Não o casal – que ficou numa pousadinha – mas o cachorro. Esse sim foi para o hotel.

Parece que lá pelas tantas, no meio do jantar romântico, no restaurante de fondue, em frente à lareira, a namorada do gringo começou a ligar para o hotel do cachorro a cada meia hora só para saber se o bichinho estava bem. Entre uma ligação e outra, a moça retomava a conversa com o gringo, sempre falando do cachorro e de suas preocupações com o bem-estar do cãozinho.

Segundo declarações fidedignas do gringo, não há nada mais “broxante” do que isso.

Resumo da ópera: o fim de semana acabou não sendo tão romântico assim. E o relacionamento terminou. Não sei se por conta da mal-fadada viagem ou se por fatores alheios a ela.

Eu costumo tomar meu café bem devagarinho, aproveitando cada instante. Por isso deu tempo de ouvir a história toda, que nem foi tão longa assim. (Obviamente, eu omiti todos os detalhes que não me interessavam.)

Mas saí de lá pensando no quanto homens e mulheres são diferentes. Eu já fiquei imaginando se a garota não teria usado a história do cachorro para botar o gringo de escanteio, ou se o problema não era falta de assunto e a coitada teve que apelar para o cachorro, ou, ainda, se o cachorro de quatro patas não teria, afinal, só duas mesmo e ela estivesse curtindo a provocação de ligar para o “caso” na frente do “fixo” – puro descaramento!

O gringo, pelo jeito, não pensou em nada disso. Pôs logo a culpa do fracasso da viagem – e, quem sabe, por tabela, do relacionamento – na pobre moça – ou no cachorro, não tenho muita certeza –, e saiu ileso dessa história. Pelo menos perante os amigos. O que prova que algumas características são inatas ao ser humano do sexo masculino, independente de fronteiras. Enfim, é a verdadeira globalização do “eu não tive culpa” ou, em outra versão também muito apreciada: “mulher é mesmo um bicho esquisito”.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

A castração química e a lei do talião

Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, já dizia Lavoisier. Pelo visto, essa máxima também vale para o direito. A bola da vez é a antiga lei do talião - lembra do "olho por olho, dente por dente"? - transmutada na pena da castração química.

O termo é péssimo. Deve ter sido cunhado por alguém contrário à idéia. Dizem que a castração química é uma espécie de tratamento médico recomendado ao paciente, dada à sua evidente agressividade, apenas em último caso, cabendo a ele decidir se deseja receber tal tratamento ou não.

Grosso modo, consiste na aplicação de hormônios femininos em pacientes diagnosticados como portadores de um "distúrbio psiquiátrico" chamado de pedofilia. Esse procedimento leva à diminuição da libido e da agressividade, e a dificuldades de ereção. Tais efeitos, no entanto, desapareceriam com a interrupção do tratamento.

Se isso tudo é ou não verdade, não sei, não sou médica nem especialista no assunto. Também não saberia dizer se isso fere ou não a ética médica. A minha, garanto, restaria incólume.

O problema é a sugestão de que a castração química seja aplicada como punição. Seria o retorno das penas cruéis ou de caráter perpétuo, pelo menos no Brasil. A castração química, para surtir seus efeitos indefinidamente, teria que ser perpétua. Quanto à crueldade, parece óbvio se tratar de uma violenta intervenção contra a integridade física e psicológica da pessoa.

Tudo bem, nossa Constituição Federal não permite tais penas e, portanto, a castração química não poderia ser aplicada no Brasil. Mas isso nunca foi problema por aqui. Nada que uma "emenda constitucional" não resolva.

É claro que a pedofilia é crime e que precisa ser combatida e punida com o maior rigor - assim como o estupro (outro crime para o qual se aventa a possibilidade de punição via castração química).

Mas existem limites. A lógica da lei do talião foi há muito superada. Voltar a ela agora seria um retrocesso. E instituir a castração química como pena levaria a isso. Já pensou se a moda pega? E se, em vez da castração química, passássemos à castração pura e simples? Vontade não falta: quem tem pena de pedófilo e estuprador? Quem se solidarizaria com eles?

Mas o que se pretende proteger é a sociedade. É a essência daquilo que nos torna "humanos", na melhor acepção do termo. Se deixarmos de acreditar em alguns valores, que no mundo atual têm perdido bastante prestígio, como respeito, dignidade, solidariedade, compaixão e a defesa dos tão combalidos, mas sempre combativos, direitos humanos, o que será de nós?

A idéia da castração química como pena, para mim, é absurda. Triste é pensar que pode fazer sucesso por aqui e agradar a muita gente.

Referência: Matéria publicada no jornal “O Estado de S.Paulo”, em 16 de outubro de 2007, págs. C1 e C3.

Café das Cinco

Adoro cafés. O café preto, estrilando de quente, forte e perfumado, e o café-lugar, aconchegante e charmoso, com mesinhas pequenas e cadeiras confortáveis para se sentar e ficar horas lendo um jornal ou um livro, fazendo hora, escrevendo, pensando na vida, fazendo nada.

Estou sempre procurando novos cafés para estrear. Passo no café antes de ir para o trabalho. Passo no café na volta do trabalho. Passo no café para tomar um café a qualquer hora.

Gosto da solidão acompanhada dos cafés. E é lá que vou colhendo minhas histórias. Como essas que compartilho agora com vocês.

São fragmentos da vida alheia que se confundem com a minha e com a vida que eu vejo ao meu redor e reflexões sobre tudo que leio.

Seja bem-vindo ao Café das Cinco!