terça-feira, 16 de outubro de 2007

A castração química e a lei do talião

Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, já dizia Lavoisier. Pelo visto, essa máxima também vale para o direito. A bola da vez é a antiga lei do talião - lembra do "olho por olho, dente por dente"? - transmutada na pena da castração química.

O termo é péssimo. Deve ter sido cunhado por alguém contrário à idéia. Dizem que a castração química é uma espécie de tratamento médico recomendado ao paciente, dada à sua evidente agressividade, apenas em último caso, cabendo a ele decidir se deseja receber tal tratamento ou não.

Grosso modo, consiste na aplicação de hormônios femininos em pacientes diagnosticados como portadores de um "distúrbio psiquiátrico" chamado de pedofilia. Esse procedimento leva à diminuição da libido e da agressividade, e a dificuldades de ereção. Tais efeitos, no entanto, desapareceriam com a interrupção do tratamento.

Se isso tudo é ou não verdade, não sei, não sou médica nem especialista no assunto. Também não saberia dizer se isso fere ou não a ética médica. A minha, garanto, restaria incólume.

O problema é a sugestão de que a castração química seja aplicada como punição. Seria o retorno das penas cruéis ou de caráter perpétuo, pelo menos no Brasil. A castração química, para surtir seus efeitos indefinidamente, teria que ser perpétua. Quanto à crueldade, parece óbvio se tratar de uma violenta intervenção contra a integridade física e psicológica da pessoa.

Tudo bem, nossa Constituição Federal não permite tais penas e, portanto, a castração química não poderia ser aplicada no Brasil. Mas isso nunca foi problema por aqui. Nada que uma "emenda constitucional" não resolva.

É claro que a pedofilia é crime e que precisa ser combatida e punida com o maior rigor - assim como o estupro (outro crime para o qual se aventa a possibilidade de punição via castração química).

Mas existem limites. A lógica da lei do talião foi há muito superada. Voltar a ela agora seria um retrocesso. E instituir a castração química como pena levaria a isso. Já pensou se a moda pega? E se, em vez da castração química, passássemos à castração pura e simples? Vontade não falta: quem tem pena de pedófilo e estuprador? Quem se solidarizaria com eles?

Mas o que se pretende proteger é a sociedade. É a essência daquilo que nos torna "humanos", na melhor acepção do termo. Se deixarmos de acreditar em alguns valores, que no mundo atual têm perdido bastante prestígio, como respeito, dignidade, solidariedade, compaixão e a defesa dos tão combalidos, mas sempre combativos, direitos humanos, o que será de nós?

A idéia da castração química como pena, para mim, é absurda. Triste é pensar que pode fazer sucesso por aqui e agradar a muita gente.

Referência: Matéria publicada no jornal “O Estado de S.Paulo”, em 16 de outubro de 2007, págs. C1 e C3.

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