quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Mudança de endereço

A partir de agora, o Café das 5 será atualizado em novo endereço:



terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Cartas Portuguesas

Tudo começou com Matisse. Vi, numa exposição dele, algumas ilustrações de "Cartas Portuguesas" e uma breve explicação do que se tratava: cartas de amor escritas por uma freira portuguesa a um oficial francês em pleno século XVIII. Pouco depois, assistindo a um filme ("A vida secreta das palavras"), eis que ele surge novamente, como peça de um romance fadado à tragédia.

Não tive escolha, comprei o livro. Aparentemente, não se sabe a origem das cartas. Nem em que língua foram escritas: português ou francês. Obra de ficção ou relato fidedigno de um amor mal acabado?

Claro que meu primeiro impulso foi querer acreditar. É muito mais emocionante. A pobre Mariana - esse é o nome da freira - apaixona-se pelo francês, que a seduz e depois some do mapa. História batida, mas repetida até hoje. Ao longo de cinco cartas, Mariana se derrama de amores, lamentos e recriminações ao amado. Tudo ao mesmo tempo agora, no bom e velho estilo feminino.

Depois me recrimino, e torço para as cartas não passarem de ficção - pobre Mariana!

A verdade é que nada disso importa. Hoje, tantos anos após a primeira publicação das cartas, quem se lembra de algum outro nome que não seja o da Sóror Mariana Alcoforado? De todas as verdades possíveis, essa foi a que restou.

Ficha técnica: "Cartas Portuguesas", da Sóror Mariana Alcoforado, Editora Núcleo

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Reino

Foi esse o nome de batismo da tetralogia de Gonçalo M. Tavares, que tem a violência como tema central. Em ordem cronológica, são quatro romances: "Um homem: Klaus Klump", "A máquina de Joseph Walser", "Jerusalém" e "Aprender a rezar na era da técnica".

Li tudo ao contrário. Comecei por "Jerusalém", depois, "Aprender a rezar...". Só então li os dois primeiros, na ordem certa. Já escrevi sobre os últimos. Agora, portanto, vou me concentrar em "Um homem: Klaus Klump" e "A máquina de Joseph Walser". Gostaria de escrever sobre o conjunto, mas, para isso, teria que ler tudo outra vez. E na ordem. Quem sabe um dia?

Ambas as histórias se passam numa mesma época e local - aliás, mesma época e local de "Aprender a rezar..." -, num cenário de guerra, opressão e violência. Não, esses termos não são sinônimos.

Apesar das semelhanças, Klump e Walser vivenciam guerras diferentes, são oprimidos de modo diverso e sofrem, ou não, violências distintas. Klump é filho de um industrial. Walser é empregado de uma fábrica.
E é a partir do comportamento desses dois personagens que o autor explora o seu tema e decanta a natureza humana. O que sobra no tubo de ensaio não é muito animador, mas com certeza é bastante coerente com o que chamamos de sociedade moderna.

Interessante observar que, embora nos romances de Tavares não existam heróis ou bandidos, é sempre possível encontrar uma heroína perdida numa ou noutra página.

Leitura obrigatória.

Ficha Técnica: "Um homem: Klaus Klump", Editora Caminho, "A máquina de Joseph Walser", editora Companhia das Letras, de Gonçalo M. Tavares.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Linha Reta - Poema de Cecília Meireles

                                                    A Cassiano Ricardo

 
Não tenteis interromper o pássaro que voa em linha reta
de leste a oeste. Alto e só.

Não lhe pergunteis se avista cidades, mares, pessoas
ou se tudo é um liso deserto. Vasto e só.

Ele não passa para contemplar essas coisas do mundo.
Ele vem de leste, ele vai para oeste. Alto e só.

Ele vai com sua música dentro dos olhos fechados.
Quando chegar ao fim, abrirá os olhos e cantará sua
                                                                   [música.

Vasta e só.


Cecília Meireles

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Gonçalo M. Tavares

Veja entrevista com Gonçalo M. Tavares publicada no Cronópios, portal de literatura, no dia 29 de novembro:

http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4311

Esse texto faz parte de um projeto pessoal, que reuniará perfis e entrevistas com diversos autores de língua portuguesa e deverá se estender ao longo do próximo ano.

O Bairro

Senhor Breton / Senhor Brecht / Senhor Walser / Senhor Juarroz / Senhor Krauss

Quem são esses senhores? Moradores de um bairro criado por Gonçalo M. Tavares. De acordo com o autor, o Bairro seria uma espécie de utopia, um lugar imaginário onde se cruzariam personagens de ficção, batizados com nomes de personalidades do mundo literário e artístico. Entre nome e personagem, algum ponto de contato sim, mas nada além.

Até o momento são 9 senhores, mas, na ilustração de abertura das edições atuais, são identificados quase 40. Projeto de longo prazo, com certeza. E sem garantias. Novos moradores podem surgir e alguns dos já indicados podem nunca ganhar a sua conversão ao papel.

Textos curtos, livros pequenos, leitura fácil. Desses para ler de uma vez só. E depois deixar por perto, ao alcance das mãos, para abrir uma página ao acaso. O senhor Krauss para discutir as relações de poder, especialmente o político. Cínico e divertido. O senhor Juarroz para pensar na inadequação dos poetas ao mundo - e na resignação das mulheres (a senhora Juarroz é ótima!). O senhor Walser para sofrer com seu conformismo absurdo - uma espécie de 'Cândido', em sua ingenuidade que beira à burrice, e 'Poliana', em seu jogo do contente, misturados. O senhor Brecht para engolir pedras sorrindo, como se estivesse lendo um livro de piadas - absurdo, divertido e, acima de tudo, crítico. E o senhor Breton com seu exercício metafísico da palavra.

Meu preferido, até o momento, é o senhor Brecht.

Ficha Técnica: "senhor Breton", "senhor Brecht", "senhor Walser", "senhor Juarroz", "senhor Krauss", de Gonçalo M. Tavares, Editora Casa da Palavra.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Um deus passeando pela brisa da tarde

Como seria? Você nunca parou para pensar o que haveria aí, no exato lugar em que está agora, há dez anos? Cem? Mil? Há séculos? O que estaria vendo? O que ou quem pisaria nesse mesmo chão? Haveria chão?

Em “Um deus passeando pela brisa da tarde”, o autor viaja no tempo até o século II, no início da era cristã. Imagina como um homem culto e bem nascido da sua época veria o surgimento dessa nova religião. E vai além. Especula sobre relações políticas e humanas em geral. A família e a sociedade. Principalmente, a sociedade.

Lúcio Valério Quíncio é um homem capaz, inteligente, íntegro. O que, obviamente, não lhe garante sucesso na vida. Como magistrado de Tarcisis, cidade da Lusitânia, durante o Império Romano, esforça-se em cumprir seu papel. Assume responsabilidades. Sacrifica-se. Mas falta a ele o senso prático que a sua mulher domina. Aliás, Mara é a personagem mais forte da história. Conhece seu papel e o cumpre com mais eficiência do que qualquer outro.

A religião surge como desequilíbrio, no sense, fanatismo. Válvula de escape ou tábua de salvação para os desvalidos da época. Uma visão crítica, certamente, porém convincente.

Mario de Carvalho sabe dosar as cores. É um bom alquimista. A leitura é fácil, envolvente. E ainda tem gente que perde tempo tentando inventar máquinas para viajar no tempo. Elas já existem e estão, literalmente, ao alcance das mãos.

Primeiro livro que li de Mario de Carvalho. Certamente, haverá outros.

Ficha técnica: “Um deus passeando pela brisa da tarde”, de Mario de Carvalho, Companhia das Letras, 2006.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Atirem no dramaturgo

E atiraram. Três tiros. Dois no torax. Coração e pulmão. Tudo bem. Ele falou que podiam atirar. Não disse que iria morrer. E não vai. Dramaturgo maluco!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Poemas de Cecília Meireles

(Para Helga)

Canção Excêntrica

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em numeros me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço
- do que faço, arrependida.

(in "Vaga Música", 1942)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tatuagens de parede

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto

Meu verso é sangue, volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorsos vãos...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca

- Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira


Encantamento

há uma palavra mágica que se diz. essa palavra
é sempre diferente. montanha, precipício, brilho.
essa palavra pode ser um olhar. a voz. um olhar.

essa palavra pode ser o espaço de silêncio onde
não se disse uma palavra. Brilho,              , montanha.
essa palavra pode ser uma palavra, qualquer palavra.

há uma palavra mágica que se diz. há um momento.
depois dessa palavra, só depois dessa palavra
pode começar o amor.

José Luís Peixoto

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aprender a rezar na era da técnica

Há dois tipos de homem sobre a terra: os que atacam e os que se defendem. Lenz Buchmann pertence ao primeiro grupo.

Perícia e habilidade marcam tanto o médico como o político. Assim como um código moral bastante peculiar, aparentemente herdado do pai.

O mundo, sob a ótica do personagem, divide-se entre fortes e fracos. Saúde e doença. Técnica. Natureza. Um mundo violento e agressivo. Como a doença que acomete a sua família. Contra a qual, nem defesa, nem ataque parecem surtir efeito.

“Aprender a rezar na era da técnica” é o último livro da tetralogia O Reino, de Gonçalo M. Tavares. Fazem parte do conjunto: “Um homem: Klaus Klump” (2003), “A máquina de Joseph Walser” (2004) e “Jerusalém” (2006).

O que move o ser humano? O medo ou o desejo. Mas o que subjaz ao movimento? A natureza e a técnica travam seus duelos diários e eternos. Mas não há um equilíbrio de forças. Nunca haverá. A natureza não pode ser sobrepujada. Lenz Buchman domina a técnica e conhece a natureza. Não a subestima. Nem por isso consegue vencê-la.

A narrativa de Gonçalo M. Tavares é fresca e vigorosa. Não são as palavras que se enroscam e enlaçam umas as outras, mas imagens e idéias.

Nesse mundo, criado por Tavares, não há espaço para o amor. Pelo menos, não é ele que sustenta os personagens ou os coloca em movimento. Há desejo, admiração, respeito, desprezo, idolatria, compaixão, gratidão. Senso de dever e de honra. Senso de fatalidade.

A violência sobrepuja tudo e todos. Por isso O Reino é conhecido em Portugal como “os livros pretos” - aliás, a capa da edição portuguesa de “A máquina de Joseph Walser” é preta também, imagino que todos sejam.

Ficha Técnica: “Aprender a rezar na era da técnica”, de Gonçalo M. Tavares, Companhia das Letras (2008)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

1

Na verdade, são oito. Oito livros de poesia reunidos num único volume: “Observações”, “Livro dos ossos”, “Atenas e a metafísica”, “Frio no Alaska”, “Homenagem”, “Explicações científicas e outros poemas”, “Autobiografia” e “Livro das investigações claras”.

Chamei de poesia só porque sou obediente e é o que está escrito na capa. É assim que o livro se apresenta. Mas o próprio autor diz não ser dos mais adeptos a classificações. Na verdade, cada vez mais se apregoa a inexistência de gêneros, o que acho ótimo. É bem mais divertido assim.

Os poemas de “1”, ou fragmentos de texto, ora provocam ora perturbam ora encantam. Há momentos embaraçosos nos quais você se vê descoberta em meio àquelas palavras. Como se ali revelassem um segredo só seu. Chega a dar raiva. Sorte que o autor não é meu vizinho.

Mas também há momentos que inspiram reflexão e ternura. Gosto, sobretudo, dos últimos.

Ficha Técnica: “1”, de Gonçalo M. Tavares, Bertrand Brasil (2005)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Alguns poemas de “1”, de Gonçalo M. Tavares

A Prova na poesia

Queres acreditar?
Nenhuma garantia basta.
Por exemplo: não há narrativas
que levem a prescindir
da proximidade do mar.
O mar é material: exige a tua presença.
Também assim com a poesia.
Como um peregrino:
vai rápido ver o verso.

(Pág. 83)


Vento

O mesmo que empurra o incêndio em direcção ao ser vivo frágil
que perdeu caminho e tempo de fuga,
empurra ainda o cheiro da amante para a casa do amado.
E não se trata de sinalizar o caminho umas vezes à bondade
outras à maldade,
a moral do vento é outra,
e está toda no modo como ele toca na água:
faz o que tem a fazer e parte.

(Pág. 116)


Pág. 197
Irreflectida nunca é a Primavera. A natureza inteira procede como o predador: escondida atrás de algo prepara-se para surgir na hora certa. A Primavera aterra como os aviões acidentados, mas o que resulta não é negro.

Pág. 205
Nem sempre os dias obedecem a fórmulas. Na cidade, com intervalo de meia hora, os melhores dedos contam diamantes e tocam nos seios da mulher que amam. Os ossos são múltiplos e, apesar de escondidos, tornam semelhantes entre si os cidadãos saudáveis. Mas o tráfico mais perseguido em certos edifícios públicos é o dos segredos. O homem rodopia atrás dos acontecimentos e é editado, como um livro, pelo trabalho que aceitou. Atirado és para o mundo pelas ordens a que obedeces.

Poemas extraídos de “1”, de Gonçalo M. Tavares, Editora Bertrand Brasil.

sábado, 31 de outubro de 2009

E chegou o Natal

Dei de cara com ele ontem, no Kinoplex. Uma árvore de Natal, grande e bonita, e muitas luzinhas. Não dava pra esperar até dezembro?

Depois reclamam que o tempo passa muito rápido...

O tempo não tem culpa da nossa ansiedade.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Marcelino Freire

Veja entrevista com Marcelino Freire publicada no Cronópios, portal de literatura, no dia 18 de outubro:

http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4246

Esse texto faz parte de um projeto pessoal, que reuniará perfis e entrevistas com diversos autores de língua portuguesa e deverá se estender ao longo do próximo ano.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Rasif

Mais um livro de contos de Marcelino Freire. Temas, linguagem, estilo de Marcelino Freire. Ilustrações de Manu Maltez. Gosto especialmente da figura da capa: uma onda com cabeça de pássaro ou um pássaro feito da espuma do mar.

“Rasif, mar que arrebenta” parece apontar o fim de um ciclo. A evocação de Recife (palavra que vem do árabe “rasif”), a ideia de retorno à origem, uma espécie de acerto de contas com São Paulo. Vim, vi, venci?

Dor, miséria, desencontros, morte, preconceito, violência, humor, amor, incompreensão. Histórias à margem da história, à margem da metrópole moderna, rica, agitada. Um retrato do Brasil que não se deseja revelar, muito menos exibir num porta-retrato, na sua sala de visitas.

Textos curtos, enxutos, ágeis, ritmados. Rasif é uma boa opção para quem ainda não conhece o autor e o título mais recente publicado por ele (o livro é de 2008).

Segundo Marcelino, seu primeiro romance está a caminho. Vamos aguardar.

Ficha Técnica: “Rasif, mar que arrebenta”, Marcelino Freire, Editora Record.

BaléRalé

A capa é ótima: duas múmias abraçadas. Foram elas que inspiraram ‘Homo Erectus’, o conto de abertura. O homossexualismo é tema bastante presente no trabalho de Marcelino Freire, assim como o preconceito. Esse conto é uma ótima introdução.

Há no trabalho do autor um equilíbrio delicado entre humor e crítica social. E alguma coisa mais, que trai a vontade de Marcelino. Uma espécie de otimismo tímido, recolhido. Mais intenção do que crença. Como se ele quisesse dizer:apesar de tudo que vejo e ouço, eu acredito, eu quero acreditar...

Não deixe de assistir o vídeo disponível no site Antologia Digital (www.oinstituto.org.br/enter), organizado por Heloísa Buarque de Holanda.

Ficha Técnica: “BaléRalé”, Marcelino Freire, Ateliê Editorial.

Contos Negreiros

Com este livro de contos, Marcelino ganhou o prêmio Jabuti, em 2006. Na capa, o personagem recorrente em todo o livro: a figura do negro.

A rima forte no trabalho de Marcelino é humor e dor. E é com ela que ele constrói seus textos. Impressiona a lógica particular de cada um dos personagens. A nos lembrar o tempo todo que vivemos em universos individuais, únicos e próprios, embora tenhamos a mania de nos referir a realidade como se ela fosse algo dado, igual para todos, comum. Definitivamente, não é. Vivemos em universos paralelos.

Yamami é um bom exemplo. Uma história de amor. E também de pedofilia. Forte, comovente, dura. Bem ao estilo do autor. No final, fico sempre com a impressão de que o vilão da história sou eu.

Ah, antes que eu me esqueça, uma recomendação: leia Marcelino em voz alta. Faz toda a diferença. Se preferir, compre o audiolivro, gravado pelo autor e publicado pela editora Livro Falante.

Ficha Técnica: “Contos Negreiros”, Marcelino Freire, Editora Record.

Angu de Sangue

Antes de mais nada, um livro bonito. Os detalhes do projeto gráfico e as ilustrações de Jobalo encantam. Não sei se, tecnicamente, posso dizer que sejam ilustrações. Fotos, montagens. Não. Gosto mesmo é de chamar de ilustrações.

Se, em Eraodito, predomina o humor, aqui, quem ganha é a crítica. A fala afiada, dura, cortante.

Contos curtos, linguagem direta. Em todos eles, cabe ao próprio personagem narrar a sua história, recurso que Marcelino Freire seguirá explorando nos livros seguintes.

Entredentes, desesperados, conformados, resolutos, indiferentes, conscientes ou inconscientes. Cada personagem é dono de sua própria voz.
Marcelino associa o título do livro ao choque de sua chegada a São Paulo, vindo do Recife. O angu da terra natal transformado.

Entre meus favoritos, está o conto Muribeca, que abre o livro. Não deixe de ler.

Ficha Técnica: “Angu de Sangue”, Marcelino Freire, Ateliê Editorial

Eraodito

Especialidade do autor: brincar com palavras. É o que faz neste livro. Relê, interpreta, reinventa ditados populares e frases afins.

Me surpreendi por encontrá-lo na seção de poesia. Mas, de certo modo, é do que se trata. Poesias visuais ou algo parecido.

É divertido desvendar nas páginas o sentido torcido e distorcido das palavras. Como num jogo da adivinhações. Tudo bem, é fácil adivinhar. Mas não se surpreenda se, a cada nova leitura, você adivinhar coisas diferentes. O segredo é conjugar atenção e distração. Sem ambos, não dá para sacar o texto do papel.

Ficha Técnica: "Eraodito", de Marcelino Freire, Atelie Editorial

domingo, 25 de outubro de 2009

Onde a galinha cisca pra frente

Também apelidado carinhosamente de “Faixa de Gaza” carioca. É nesse trecho do caminho, onde as linhas Amarela e Vermelha se cruzam, que até as galinhas ciscam pra frente, pois, se olharem para trás... já era.

Já reparou como os nomes das linhas são sugestivos? Vermelho sangue. Amarelo ouro.

No maravilhoso mundo do marketing, vermelho e amarelo são cores que, associadas, despertam a fome.

Faz sentido.

domingo, 4 de outubro de 2009

Chama e Fumo - poema de Manuel Bandeira

Amor _ chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor _ chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor _ chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor _ chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... _ chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

(Teresópolis, 1911)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

Outro lugar

Durante encontro com Atiq Rahimi, no café da Martins Fontes, em julho deste ano, alguém perguntou a ele se, vivendo na França há tanto tempo, não sentia falta do Afeganistão. Antes de ouvir a resposta, emendou a pergunta questionando o autor sobre de que sentia falta quando estava no Afeganistão.

Rahimi respondeu que, quando estava na França, sentia falta do Afeganistão e, quando estava no Afeganistão, sentia falta da França. Em resumo, segundo ele, sempre queremos estar em outro lugar.

Às vezes me parece que a insatisfação é uma espécie de mola propulsora. Afinal, quem está satisfeito, não vai a lugar algum.

Viver insatisfeita, portanto, pode ser bem divertido.

Syngué sabour / Pedra-de-paciência

Romance de Atiq Rahimi, ganhador do Goncourt, em 2008. A história se passa no Afeganistão. Mais exatamente na sala da casa de uma família afegã, numa zona turbulenta que, aos poucos, é abandonada por seus antigos habitantes.

Um homem jaz, deitado rente ao chão, com uma bala na nuca. Ao seu lado, a mulher, a esposa. Ele em estado vegetativo, sem esboçar qualquer reação. Ela no limite da exaustão e da razão. E é esse o pretexto do autor para falar da vida em seu país. Em especial, da vida das mulheres.

A sensação de aprisionamento é permanente. Pela imobilidade da câmera do narrador, que não deixa o quarto. Pela inatividade do homem, que apenas respira. Pela impossibilidade de afastamento da mulher, que simplesmente não pode deixar o marido.

Em “Syngue Sabour“, viajamos para longe. Muda-se o cenário. As regras de conduta também. Assim como os preceitos religiosos e os valores de bem, mal, justiça, injustiça, certo, errado, moral, imoral. Mas a matéria-prima é sempre a mesma. O ser humano com todas as suas contradições.

Tente ler o livro sem o crivo da sua própria cultura. Tente imergir no mundo alheio. Tente descobrir como você agiria se aquele fosse o seu universo. De algum modo, acho que somos apenas versões de um mesmo tema.

A pedra-de-paciência, referida no título, é uma pedra mágica, capaz de absorver todas as lamúrias dos homens, todas as dores, todas as lágrimas, todos os medos. Até explodir, destruindo, com isso, tudo que ficou preso nela e libertando os homens de todo o mal.

O livro é dedicado à memória de Nadia Anjuman, poeta afegã assassinada pelo marido por espancamento, com a anuência da mãe dela. Preso por esse crime, o marido tentou se matar injetando gasolina nas veias.

Ficha técnica: “Syngué sabour – Pedra-de-paciência”, de Atiq Rahimi, Ed. Estação Liberdade (2008)

Trecho de "Syngué sabour / Pedra-de-paciência”, de Atiq Rahimi

' "Com tudo que lhe confessei ontem, você vai me dizer que desde pequena eu já era uma diaba. Uma diaba, para meu pai." Sua mão roça levemente o braço do homem, acaricia-o: "Mas para você... nunca fui isso, não é?" Ela balança a cabeça. "Sim... Talvez..." Um silêncio carregado de dúvidas e incertezas. "Mas tudo o que fiz... foi por você... Para que ficasse comigo." Sua mão desliza pelo peito do homem. "Não, não... para dizer a verdade, era para que você... para que você ficasse comigo. Para que não me abandonasse. Foi por isso, tudo o que fiz..." Ela interrompe a fala. Seu corpo se dobra e se encolhe virando-se para o lado, junto ao homem. "Fiz tudo o que podia para que ficasse comigo. Não somente porque eu o amava, mas para que não fosse abandonada. Sem você, eu não teria mais ninguém. Eu teria sido banida por todos." Ela se cala. Com uma das mãos, coça a têmpora. "Confesso que, no início, não estava muito segura. Não tinha certeza de poder amá-lo. Eu me perguntava como poderia amar um herói. Isso me parecia tão inacessível, como um sonho. Durante três anos fiquei tentando imaginar você... E depois, um belo dia, você chegou. E insinuou-se em minha cama. Em cima de mim. Esfregando-se contra meu corpo... Você não conseguia! E não ousava dizer sequer uma palavra. Na escuridão total, com nossos corações disparados, frenéticos, nossa respiração acelerada, nossos corpos suados..." Ela está com os olhos fechados. Está longe, muito longe daquele corpo inerte. Ela se afotga completamente na escuridão daquela noite de desejo. Sedenta. E lá permanece por algum tempo. Sem uma palavra. Sem um gesto.' - Págs. 75 e 76

A verdade

Andei lendo sobre isso. O caminho para se alcançar a verdade. A busca da verdade. A verdade, a verdade, a verdade.

Desculpe, mas, que raio é isso? A verdade de quem para quem para quê? Essa verdade da qual falam os livros soa para mim como aquela bola de chumbo presa aos pés dos irmãos Metralha.

Não quero saber de verdade ou de mentira. Quero experimentar das duas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Morreste-me

Não sei dizer o que é. Talvez uma carta de despedida. Dolorida e triste. Na verdade, um registro. Do amor entre pai e filho e filho e pai. O sentimento escapa pelos vãos das palavras, condiciona a forma. E por que haveria de ser diferente?

Morte e perda são inevitáveis na vida. E temas recorrentes na literatura, como não poderia deixar de ser. Mas, nesse caso, é difícil dizer se o relato é pessoal ou ficcional. O autor fala da doença e da morte do pai. Fatos reais, parte de sua biografia.

Não que confundir realidade e ficção seja ação estranha à atividade literária. Pelo contrário, são sua argamassa. Mas, em geral, trata-se de costura invisível, difícil de detectar. Em “Morreste-me”, isso não acontece.

“Orienta-te, rapaz!”

“Oriento-me, pai.”

Ficha técnica: "Morreste-me", de José Luís Peixoto.

Trecho de “Morreste-me”, de José Luís Peixoto

"Vou. Avanço, avanço e regresso. E cada quilómetro, um mês; e cada metro, um dia. Avanço para o que fomos. Encontrei nas pedras deste caminho, no luminescente desta viagem, um espaço por onde entrei e acelero, onde cada quilómetro em frente é um mês que recuo. E avanço neste caminho que fizemos mil vezes juntos e avançam as estações do ano: primavera inverno outono verão primavera inverno... E avançam os quilômetros neste sítio onde entro como se caísse. Vertiginosamente. Atiro-me neste poço, no fundo que não se vê deste poço. E há tanta luz. Há os instantes que vivemos mil vezes juntos e que agora nascem sem nós e nos ultrapassam. Há o sol que partilhamos mil vezes e que agora não te aquece, que agora não me aquece. Pai. Passo por tudo e tudo me deixa e passa por mim. Caio. Avanço. Regresso." - Págs. 29 e 30

sábado, 29 de agosto de 2009

Meu irmão é filho único / Caos calmo / Em busca da vida

Meu irmão é filho único

Não sei dizer como se formam os laços de família. Talvez com as facas sujas de manteiga que passam de mão em mão em manhãs esquecidas e distantes. Mas sei que se manifestam. Nos momentos mais inesperados. Nas formas mais absurdas. Improváveis.

Risíveis e trágicos.

Laços visíveis e invisíveis.

Impossível romper.

Caos Calmo

Caos e calmaria. Sei que não combinam. Pelo menos, a princípio. Pois, neste filme, ambos se encaixam perfeitamente bem. Após a morte repentina da esposa, um homem se vê ‘sozinho’ com a filha. Como se tivesse sido transportado para um outro universo. Nada mudou ao seu redor. Tudo segue como sempre. Os móveis da casa. O escritório. Os amigos, o irmão. A praça em frente à escola da filha. Ainda assim, um outro mundo.

Simplesmente porque ele escolhe reconhecer a presença de pessoas, objetos, emoções, expectativas, medos, dores, inseguranças, cores que não havia identificado antes, embora já estivessem ali.

Não há elemento novo. Apenas uma supressão.

Um filme delicado.

Em busca da vida

Uma mulher à procura do marido que não dá notícias há 2 anos. Um homem à procura da esposa que fugiu há 16, levando a filha.

Em busca da vida conta a história desses dois personagens e sua procura. O que buscam exatamente? Não sei. Um sentido, explicação, satisfação, acerto de contas, vingança, reencontro, resposta? Ou a vida do título?

Sempre me surpreendo com esses vislumbres da cultura oriental. Eles me fazem lembrar do quanto estamos impregnados da nossa própria cultura. O que chamamos de natureza humana, muitas vezes, é apenas mais uma manifestação cultural.

Amor, honra, bondade, piedade, justiça. O que significam, afinal?

Um filme triste. Mas, disso, eu já sabia.



A cidade das sombras

Mundo paralelo, lado B, planeta bizarro, underground. Não, subterrâneo não. Afinal, eu me refiro ao mundo das sombras. Estamos, portanto, na superfície. E caminhamos debaixo do sol.

Aos nossos pés, elas se espalham. As sombras. As nossas. Olho para a minha. Acorrentada aos saltos dos meus sapatos, parece querer escapar. Não sempre, às vezes.

Não vejo seus olhos. Em que direção seguem? Será que está entretida com alguma outra sombra que cruzou nosso caminho sem que eu tivesse notado? Será que reparou na sombra daquele corpo que, definitivamente, chamou minha atenção?

A verdade é que as sombras têm vida própria. Nós as arrastamos por aí, ao nosso bel-prazer. Mas não as temos sob controle.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Inveja dos Anjos

A cidade é pequena. Cortada pela linha do trem. As histórias são reais. Ou poderiam ser. Dramas humanos - pequenos e grandes. Corriqueiros. Repetidos. E mais dramáticos por isso.

No final, a culpa é do amor. Como sempre. Sempre isso. Entre pais e filhos. Entre homens e mulheres. Entre amigos. E anjos.

A montagem da peça é ótima. Ajuda a impulsionar a história, ampara os personagens, constrói ilusões, estimula a imaginação. A linha do trem atravessa o palco e corta a cena, literalmente, de cima a baixo.

Suporta o humor duro e cínico de Cecília. A bondade licorosa de Eleazar. A sedução e magia do cafajeste de plantão, Rocco. Um pai e uma filha que se perdem e se encontram ao mesmo tempo.

Onde os anjos entram nisso? Na inveja. Há, nessa história, um homem que tem inveja dos anjos porque queria, ele também, voar invisível pelo mundo tornando a vida das pessoas menos dura. É o carteiro que lê as cartas antes dos seus destinatários e atrasa a entrega das notícias ruins para prepará-los.

Mistura de amargo e doce. Sonho e realidade. Que, ao mesmo tempo que aponta para a dureza da vida, torna mais fácil suportá-la.

Se você não acredita em anjos, devia assistir essa peça.

Ficha técnica: "Inveja dos Anjos". Direção: Paulo de Moraes. Com Marcelo Guerra, Patrícia Selonk, Ricardo Martins, Simone Mazzer e outros. Texto: Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes. De 7 a 30 de agosto. Sesc Consolação - Rua Dr. Vila Nova, 245, Consolação, São Paulo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Desperdício x Dissipação

Sou contra o desperdício. De tudo. Alimento, recursos naturais, energia, amor, tempo. Perda estéril.

Mas sou a favor da dissipação. Deixar que tudo transborde, transpire pelos poros, expire pela boca num suspiro, pelo nariz, pelos ouvidos, pelos olhos, pelo corpo inteiro.

Sublime e se perca no ar.

E se dissipe em ondas.

Sem objetivo ou razão.

Sem intuito.

Pelo prazer de existir.

Uma ode pela vida que persiste apesar de...

Pela vida.

Quem sabe até onde chegarão?

Coisas do Quiroga

"Como alguém poderia reconhecer o alcance de sua própria coragem andando sempre pelo terreno mais seguro? Seria impossível! A vida oferece situações onde não há segurança a respeito de nada para você reconhecer sua coragem."

(Estadão - 26/08/09)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A alma imoral

Indicação de uma amiga. O autor do livro é um rabino, Nilton Bonder, que fala sobre... um pouco de tudo. Cabala, filosofia, religião, psicologia. Corpo e alma. Evolução, preservação, transgressão, vida.

Outro dia, numa conversa, alguém disse que eu estava confundindo espiritualidade com religiosidade. O comentário veio a calhar. Tenho certo preconceito com religiões em geral. Com isso, acabei suprimindo coisas demais na minha vida, generalizando. Exagerei no ceticismo. Sufoquei o espírito, com o qual, agora, tento me reconciliar.

Talvez por isso o livro de Bonder tenha me feito bem. Surgiu no momento certo. A ideia de honrar rompimentos, tanto quanto compromissos. O imperativo da mudança e os riscos inerentes a ela.

Para ser sincera, não gosto da forma como o autor escreve. O descuido com a linguagem, muitas vezes, compromete a clareza do texto. E há erros que mesmo uma revisão negligente teria identificado. Isso dificulta um pouco a leitura do livro, o qual, pelos temas que trata e pela abordagem que adota, já não seria, por si só, fácil de compreender.
Ainda assim, despertou em mim uma vontade enorme de conhecer a cabala.

É livro para ser lido aos goles. Colhendo frases de acordo com a necessidade do momento. Sem pressa. Para mim, uma espécie de 'autoajuda espiritual'. (E eu abomino livros de autoajuda.)

Recomendo a leitura!

Ficha técnica: "A alma imoral", de Nilton Bonder, Editora Rocco (1998)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Algumas frases encontradas em "A alma imoral", de Nilton Bonder

"O ser humano é talvez a maior metáfora da própria evolução, cuja tarefa é transgredir algo estabelecido." - pág. 13.

"Ousaria dizer que tudo que é positivo para a vida é o que não se dissimula." - pág. 22

"Entenda-se por infidelidade tanto o rompimento de compromissos como a manutenção dos mesmos de forma destrutiva." - pág. 35

"Deixar sua cultura e seu passado em nome de um futuro é saber recompor a tensão entre corpo e alma, aprendendo a romper por conta das demandas do futuro e não só pelas demandas do passado." - pág. 38

"A proposta da imutabilidade é mais do que indecorosa: ela violenta um indivíduo. Ela propõe que continuemos a fazer o que foi feito no passado." - pág. 39

"E quantos de nossos esforços e sacrifícios são, na verdade, 'oferendas' ao nada?" - pág. 58

"Quantas pessoas poderíamos ter tirado 'para dançar' na vida e não o fizemos por ofertar sacrifícios ao nada? Sacrifício ao deus da timidez, ao deus da vergonha, ao deus do medo de ser rechaçado e assim por diante." - pág. 59

"Aquele que engana a si mesmo é mais perverso do que o que engana os outros." - pág. 60

"Existe em nós uma tendência de querer agradar a nós, aos outros e à moral de nossa cultura. Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos." - pág. 64

"Aqueles que se permitem transgressões da alma com certeza são vistos e recebidos pelos outros como estrangeiros. Os que mudam de emprego radicalmente, os que refazem relações amorosas, os que abandonam vícios, os que perdem medos, o que se libertam e os que rompem experimentam a solidão que só pode ser quebrada por outro que conheça essas experiências. A natureza da experiência pode ser totalmente distinta, mas eles se tornarão parceiros enquanto 'forasteiros'." - pág. 66

"Achar-se - e o ancião tentar revelar este segredo ao jovem - é construir identidades e desfazer-se delas." - pág. 69

"O que ainda não é, só se faz sob o sol quando abrimos mão da obediência. Não a obediência em relação ao outro, mas a que impomos a nós mesmos ou a de outros que introjetamos como se fosse nossa." - pág. 70

"Se em teoria o 'caminho do meio' nos parece mais equilibrado e maduro, em termos da alma o rabino de Kotzk tem razão - qual é o ser humano que, profundamente mobilizado por uma intenção e sedento pelo sagrado, pode deixar de ser passional e extremista? Como estar apaixonado e ser moderado? O 'caminho do cavalo' representaria a postura daquele que teme a experiência radical de romper com o padrão e a expectativa da maioria." - pág. 75

"A vida saberá nos julgar não apenas pelas 'perversidades' que acreditamos poder evitar, mas também pelas 'tolices' que nos permitimos." - pág. 77

"Quando uma pessoa deixa de ficar satisfeita com seu negócio ou com sua profissão, é certamente um sinal de que não o está conduzindo honestamente. (New.Antho. 194)." - pag. 79

"O rabi Bunan (Buber, Late Masters, p. 257) adverte que os 'pecados' que um indivíduo comete não são o pior crime realizado por ele. O verdadeiro crime do ser humano é que ele pode dar-se 'uma simples volta' a qualquer momento, mas não o faz." - pág. 81

"Aquele que não faz uso de todo o potencial de sua vida, de alguma maneira diminui o potencial de todos os demais. Se fôssemos todos mais corajosos e temêssemos menos a possibilidade de sermos perversos, este seria um mundo de menos interdições desnecessárias e de melhor qualidade." - pág. 82

"O inconformismo das pessoas diante dos que estão em processo de rompimento com conceitos e propostas do passado tambem decorre do medo e desconforto profundos produzidos pela identificação com essa postura." - pág. 112

"Será um mundo de traidores que não serão crucificados. Será um mundo que descobrirá que quem crucifica não são os outros, mas nós mesmos." - pág. 117

"Ainda cometeremos muitas crucificações, mas a derradeira, a que realmente está em jogo, é a nossa. Se não encontrarmos alguma forma de paz formada de tensão entre nosso corpo e nossa alma, entre nossa moral animal e nossa imoralidade, estamos ameaçados de não redimirmos nossa espécie." - pág. 118

"As roupas que vestem de moral as intenções humanas nos tornam prisioneiros de uma realidade que nos poda, nos restringe e ameaça nossa sobrevivência. Poder enxergar-se nu, no entanto, é uma traição ao animal consceinte difícil de se bancar." - pág. 122

"A resolução do conflito está em seu reconhecimento e no estabelecimento de relações entre homens e mulheres que aceitem essas tensões como inerentes à própria vida. O mundo ideal do futuro será um mundo também de tensões, mas estas não serão projetadas sobre o outro." - pág. 128

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

Um thriller. Uma história de ação. Romance e suspense. Texto ágil, que escorrega garganta a dentro. Fácil de ler. Rápido.

O controle do tempo, a costura das histórias, a condução das narrativas são excepcionais. O autor, obviamente, tem experiência, sabe o que faz. Para o leitor, é tudo muito fácil. Basta se deixar levar, sem que, para isso, seja necessário grandes esforços.

Imagino um filme. O livro poderia ser um roteiro de cinema, com os diversos planos e cortes abruptos se alternando. Imagino Lavínia. Mais Lavínia do que Cauby. Lavínia é um personagem de verdade. Já Cauby soa como um embuste. A começar pelo nome.

Embora seja ele o narrador e, ao lado de Lavínia, um dos personagens centrais da trama, Cauby não parece real. Parece um pretexto para que a história ganhe vida e possa ser contada.

O que fica depois da leitura? Não sei. Mas é diversão garantida. E de boa qualidade.

Ficha técnica: “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, de Marçal Aquino, Companhia das Letras (2005).


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Que vontade de fumar!

Hoje entendi porque as pessoas fumam. Há algumas situações em que fumar é a única atitude possível. Como agora, encostada neste balcão, em plena segunda-feira de manhã - dia de rodízio - esperando o Universo. Mas tudo começou horas antes, ainda na garagem da minha casa, quando meu carro - novo e pouquíssimo rodado - resolveu não funcionar.

A assistência técnica do seguro, pelo menos, agiu rápido. Chegou em 15 minutos. Mas o veredicto não foi bom: "isso não é problema de bateria, não, moça; deve ser injeção eletrônica". Chegou rápido, me chamou de moça e, apesar de tudo, fez meu carro voltar a rodar. Foi um bom começo.

De lá me abalei até a concessionária mais próxima. E é onde estou agora. Universo. Nome engraçado. Não sei se um bom ou mau presságio. Mas estou aqui, aguardando uma resposta do Universo.

Logo depois de ter comprado o carro, descobri que não preciso dele. Ele, então, ressentido, vive aprontando comigo. Não, não é verdade. Ele até que é comportado. Eu é que não tenho paciência para carros. Só prejuízo.

A verdade é não estou muito otimista. E não há nada que eu possa fazer. Além de fumar, claro.

Ah, queria tanto um cigarro...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Terra e Cinzas

Gente de verdade. Pensei nisso lendo o conto de Rahimi. Uma família representada por neto, pai e filho. Como cenário, o Afeganistão. Que mundo é esse? Não faço idéia. Só tenho certeza de que as informações que nos chegam são falsas e truncadas. O Afeganistão que vejo hoje é similar ao Brasil de Carmem Miranda, onde as mulheres andam com cachos de bananas na cabeça, é carnaval todos os dias e os macaquinhos andam soltos pelas ruas, pulando nos galhos das árvores.

Tento juntar peças desse quebra-cabeças. As notícias de jornal, os best-sellers, os filmes. Uma entrevista aqui, outra ali. É nesse ponto que entra Atiq Rahimi. Primeiro eu o ouvi falar - na Flip e no café da Martins Fontes, durante evento organizado pelo Cronópios. Agora, estou lendo alguns dos seus textos. O próximo passo será assistir aos filmes, pois, além de escritor, ele também é cineasta.

Em mais um dos tantos episódios de violência que parecem fazer parte do cotidiano de alguns reinos muito distantes do brasileiro, um vilarejo é aniquilado. Lemos isso com freqüência nos jornais. (Tropas americanas, talibãs, guerrilheiros, facções, ONU, não importa.) Mas, desta vez, ficamos sabendo dos fatos por uma pessoa comum. Um homem que teve sua família dizimada nesse ato e que abandona sua casa destruída puxando pela mão o neto, que ficou surdo com o ataque.

Arrasta a criança em direção à mina onde trabalha seu filho. Os três são os únicos remanescentes dessa família. O homem vai dar a notícia ao filho da morte de todos os seus parentes: a mulher grávida, a mãe, o irmão. Tios, primos, vizinhos, amigos.

A voz do narrador se dirige unicamente ao velho. Talvez seja sua própria voz falando com ele. Uma espécie de grilo falante que tenta mantê-lo vivo, mantê-lo em pé. E assim a história se constrói ou revela, não sei.

Mas, se o Afeganistão é um mundo à parte, os homens são os mesmos em todo lugar. Amor, honra, coragem, instinto de sobrevivência. O egocentrismo da criança que, ao deixar de ouvir, imagina que a voz dos outros é que foi roubada. É o mundo externo a ele que perde algo preciso. O pai que sofre a sua dor, a dor do neto e a dor do filho. E que se agarra a esse filho, ao orgulho que tem dele, para seguir. E que teme pela vida do filho, o filho que tem sangue quente, que não suportará qualquer desonra. Que morrerá para honrar seus mortos.

Esse mesmo pai, que deseja preservar e poupar o filho, ao mesmo tempo precisa que esse filho se lance contra o fogo para honrar seus mortos. Parece exigir que esse filho abra mão de uma vida melhor, de uma oportunidade apenas vislumbrada, para morrer em nome sabe-se lá do que exatamente.

Valores, religião, honra, códigos. Amor, vida e morte. De que matéria somos feitos afinal? Algozes e vítimas de nós mesmos.

E como é possível vivermos vidas tão diferentes numa mesma época, num mesmo planeta, respirando o mesmo ar, debaixo de um único céu? Penso naqueles filmes de ficção científica, nos portais para outras dimensões, nos universos paralelos. Alguém ainda duvida que eles existam?

O livro é ótimo. Vale a pena ler.

Ficha técnica: “Terra e Cinzas”,de Atiq Rahimi, Editora Estação Liberdade

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Budapeste

Sinceramente, não sei dizer se gostei ou não do livro. A leitura é fácil e rápida. Talvez, rápida demais. Às vezes tenho a impressão de que não tive tempo suficiente para compreender os personagens. Enxergo apenas esboços.

Gosto do humor do autor, incrustado no absurdo. Uma mistura de ironia e nonsense. E boa dose de cinismo.

José Costa é uma não-pessoa, uma espécie de lugar comum. Um nome que se repete à exaustão. Um rosto que se confunde. Sua história se resume a criar histórias alheias. Seu orgulho vem do anonimato, assim como a vaidade. Uma vez criadas, suas historias são absorvidas pelos falsos protagonistas e se tornam verdadeiras. Perdem a filiação.

E a história de José Costa? Parece ser a que menos interessa a ele. No final, a reviravolta. Ele próprio ganha uma história alheio e se torna apenas um reles protagonista. Assim perde, num só golpe, tudo aquilo que amealhou pela vida.

Divertido traçar paralelos entre personagem e autor. Pensar que Chico Buarque, como toda pessoa pública, também tem uma vida dupla. Uma só? Quantas mais? Qual será a real? Será que isso existe? Deve ser fácil confundi-las. Mais fácil ainda confundir-se.

Ficha Técnica: “Budapeste”, de Chico Buarque, Editora Companhia das Letras.

Perspectiva

Nada como um pouco de perspectiva para alcançar a paz de espírito. Pôr cada coisa em seu lugar. Lembrar o que importa e deve ser preservado. Lembrar o que é passageiro e circunstancial e deve ser realizado sem grande sofrimento. Desincumbir-se de uma tarefa aborrecida, mas necessária para se alcançar um fim. Lembrar o que fica e o que passa.

sábado, 1 de agosto de 2009

Os cus de Judas

Como sempre, é difícil mergulhar na narrativa de Lobo Antunes. Sempre me enrosco nas palavras que se enovelam e me confundem. Fico tensa, nervosa. Mas sigo adiante. Logo passa e, enfim, paro de resistir e me deixo levar por ele.

Uma história triste, violenta, dura. Sobretudo real. Não que a guerra pela libertação de Angola tenha sido assim. Não que se trate de um registro fidedigno da história de uma nação. Não é dessa realidade que falo. É da realidade humana.

Os dramas, as tragédias, as atrocidades são todos tratados num mesmo tom. Incorporam-se ao dia a dia da tropa. Como acordar e tomar café. Banal. Trivial. A força da narrativa de Lobo Antunes provoca impacto. Endurece e enternece ao mesmo tempo. A história é narrada numa noite, num encontro casual com uma mulher qualquer, num bar qualquer, vivendo uma vida qualquer. E o leitor segue de Angola a Lisboa e vice-versa sem se dar conta.

O nonsense da guerra contraposto ao dilaceramento daqueles que tomam parte nela, direta ou indiretamente. O absurdo, a impotência. A desimportância das dores, do sangue, da devastação.

Uma guerra esquecida ou, como quer o narrador, inexistente. “Tudo é real menos a guerra que não existiu nunca: jamais houve colónias, nem fascismo, nem Salazar, nem Tarrafal, nem Pide, nem revolução, jamais houve, compreende, nada, os calendários deste país imobilizaram-se há tanto tempo que nos esquecemos deles, marços e abris sem significado apodrecem em folhas de papel pelas paredes, com os domingos a vermelho à esquerda numa coluna inútil, Luanda é uma cidade inventada de que me despeço, e, na Mutamba, pessoas inventadas tomam autocarros inventados para locais inventados, onde o MPLA subtilmente insinua comissários políticos inventados.......” (págs. 193/194). E a certeza que fica é de nada mais existir além dela, da guerra. O narrador está lá, preso, encurralado, sem escapatória.

Este é o segundo livro de Lobo Antunes que leio. O primeiro foi “Memória de Elefante”. Ambos perturbadores, com certeza. Ainda mais por saber que, apesar de ficcional, o autor serviu ao exército português em Angola.

Ficha Técnica: “Os cus de Judas”, de António Lobo Antunes, Editora Alfaguara, 2ª ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Alguns trechos de “Os cus de Judas”, de Lobo Antunes

Sarcasmo
“(...) casado com uma espécie de botija de gazcidla enfeitada de colares estridentes, sempre a queixar-se aos oficiais dos beliscões com que os soldados lhe homenageavam as nádegas atlânticas, difíceis, aliás, de discernir numa mulher aparentada a um imenso glúteo rolante em que mesmo as bochechas possuíam qualquer coisa de anal e o nariz se aparentava a inchaço incómodo de hemorróida (...)” – págs. 38/39

Desalento
“Já reparou que a esta hora da noite e a este nível do álcool o corpo se começa a emancipar de nós, a recusar-se a acender o cigarro, a segurar o copo numa incerteza tacteante, a vaguear dentro da roupa oscilações de gelatina? O encanto dos bares, não é, consiste em, a partir das duas da manhã, não ser a alma a libertar-se do seu invólucro terrestre e a seguir verticalmente para o céu no esvoaçar místico de cortinas brancas das mortes do missal, mas a carne que se livra, um pouco espantada, do espírito, e inicia uma dança pastosa de estátua de cera que se funde até terminar nas lágrimas de remorso da aurora, quando a primeira luz oblíqua nos revela, com implacabilidade radioscópica, o triste esqueleto da solidão sem remédio. (...)” – pág.43

Crítica
“... Mostrem resultados que se vejam discursava o coronel e nós só tínhamos para exibir pernas amputadas caixões hepatites paludismos defuntos viaturas transformadas em harmónios de destroços, o general perorou do Luso As Berliets são ouro piquem o trajecto inteiro de modo que três homens de cada lado exploravam a areia adiante dos carros porque uma camioneta era mais necessária e mais cara do que um homem um filho faz-se em cinco minutos e de graça não é verdade uma viatura demora semanas ou meses a atarraxar parafusos, aliás havia ainda montes de gente no país para mandar de barco para Angola mesmo descontando os filhos das pessoas importantes e os protegidos pelas amantes das pessoas importantes que não viriam nunca o paneleiro do rebento de um ministro foi declarado psicologicamente incompatível com o Exército, ...” – págs. 102/103

Ironia
“... O que seria de nós, não é, se fôssemos de facto felizes? Já imaginou como isso nos deixaria perplexos, desarmados, mirando ansiosamente em volta em busca de uma desgraça reconfortadora, como as crianças procuram os sorrisos da família numa festa de colégio? Viu por acaso como nos assustamos se alguém, genuinamente, sem segundos pensamentos, se nos entrega, como não suportamos um afecto sincero, incondicional, sem exigência de troca?” – pág. 137

domingo, 26 de julho de 2009

Gloriosa

A peça valeu por revelar a existência de Florence Foster Jenkins. Nunca tinha ouvido falar dela. E sua história é realmente fabulosa. Florence ganhou fama por cantar mal – muito mal. Justamente por sua falta de talento e a total e completa ignorância desse fato, ela arrastava multidões aos seus recitais.

O publico riu bastante, mas não gostei da peça, apesar da qualidade dos atores e do encanto da história.

Ficha Técnica
Texto: Peter Quilter. Tradução: Marisa Murray (adaptação: Cláudio Botelho). Direção Geral: Charles Möeller e Cláudio Botelho. Direção Musical: Cláudio Botelho. Elenco: Marília Pêra, Guida Vianna e Eduardo Galvão. Produção: Sandro Chaim e Claudio Tizo. Cenografia: Rogério Falcão. Figurino: Kalma Murtinho. Iluminação: Paulo César Medeiros.

Os ‘mano’ sem as ‘mina’

Confesso que estranhei. Uma dança sem música. Como sonoplastia, o rangido estridente dos tênis com suas solas de borracha contra o piso do palco, as batidas de pés e respirações ofegantes. E os movimentos? Inesperados, para dizer o mínimo.

Ao meu lado, minha amiga, trinta anos mais nova, estava à beira de um ataque de risos, sufocado apenas pelo olhar da mãe. Mas também tive vontade de rir. Aos poucos, o desconforto se desfez e deu lugar ao choque.

O trabalho de Bruno Beltrão/Grupo de Rua é realmente impressionante. Força, violência, agilidade, luzes, choques, marginalidade, energia. Um show de testosterona. Fiquei embasbacada. Vale a pena conhecer – e acompanhar – o trabalho dessa turma.

[Domingo, dia 19]

Os reis preguiçosos


Foi a primeira vez que vi o museu do Ipiranga a noite. Todo iluminado. Só essa imagem já valeu o programa. Mas houve muito mais. A apresentação da companhia francesa “Transe Express” foi inusitada e divertida. Com direito a carros alegóricos, cortejos, acrobacias, músicas, fumaça e muita imaginação e engenhosidade.Eu não sabia direito para onde olhar, que trajeto seguir ou o que fazer. Tudo era novidade. Adorei.

Para completar, uma noite quente e agradável, em ótima companhia.

[Sábado, dia 18/07]

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sophie Calle

Fui ver a exposição da Sophie Calle no domingo passado. Saí de lá com a certeza de que Sophie Calle só podia ser mulher. E que apenas mulheres poderiam participar de um projeto como esse. Comportamento típico do universo feminino: aproveitar a história alheia para expurgar sua própria dor.

Ninguém gosta de ser dispensada, claro. Ainda mais mulheres tão lindas, interessantes e bem resolvidas – como nós – por caras que nunca chegam aos nossos pés e que deveriam dar graçasadeus por termos demonstrado algum interesse por eles.

O pior é que a moda agora é ser covarde: vale tudo para se livrar do enrosco, menos uma conversa franca e direta. No caso de Sophie, a opção foi pelo e-mail. Mas o simples desaparecimento também está em alta. Você não tem sequer a oportunidade de dizer um palavrão ou de fingir que não está nem aí para ele.

Então aparece alguém – não qualquer pessoa, mas uma artista conceituada – e lhe dá a oportunidade roubada, ou seja, a chance de se manifestar. Mais ainda, de tornar pública essa manifestação. O mulherio soltou o verbo.

Já imaginou o inverso? Um homem toma um fora da namorada por e-mail. Ele perde o rumo e resolve dar a volta por cima, convertendo sua decepção e dor em arte. Entra em contato com 107 homens e pede a eles que interpretem o e-mail de rompimento. Quantos desses homens vocês acham que responderiam? Na verdade, acredito que ele não conseguisse chegar nem no nº 2. O primeiro já iria dizer algo como “deixa de ser corno e arranja outra logo, Zé Mané!”. Os homens são mesmo insensíveis.

Mas vale a pena visitar a instalação de Sophie Calle no SESC Pompéia. Exageros à parte, essa parece ser uma boa oportunidade para conhecer um pouco do trabalho da artista, que não ganhou fama por acaso.

Algumas manifestações são realmente hilárias, como a da adolescente que se manifesta via sms: “Esse cara se acha!”. Gostei também da carta assinada pela escritora Christine Angot e, especialmente, do conselho da mãe de Sophie, na linha do ‘não faça tanto drama, minha filha / linda e inteligente, como você é, logo arranja outro melhor’.

Mas a melhor de todas, e que de longe resume bem esse imbróglio, foi a da menina de 9 anos, que, ao final, declara algo como ‘isso é muito triste’. Ela tem razão. É triste mesmo.

Prenez soin de vous!

SOPHIE CALLE _ CUIDE DE VOCÊ : Como parte da programação do Ano da França no Brasil, a Associação Cultural Videobrasil e SESC São Paulo trazem para São Paulo uma das figuras mais instigantes da cena artística internacional, a francesa Sophie Calle. O SESC Pompeia apresenta sua exposição "Cuide de você" (Prenez Soin de Vous), com uma programação que conta com extensa grade de atividades educativas.
SESC Pompéia, de 11/07 a 07/09. Terça a sábado, das 10h às 21h. Domingos e feriados, das 10h às 20h.

domingo, 19 de julho de 2009

Lulas comedoras de gente



A julgar pela nota publicada no Estadão deste último sábado, a Califórnia virou palco de um filme de terror trash: lulas gigantes, agressivas e carnívoras estão à solta por lá...
Nada como um texto bem editado...




sábado, 18 de julho de 2009

Coisas do Quiroga

“É impossível deixar de perceber que a cada atitude correta acontece uma série de respostas adversas. Contudo, não se deve tomar isso como sinal de se ter cometido algum erro, mas a constatação de se estar no caminho certo.”

(Estadão - 18/07/09)

terça-feira, 14 de julho de 2009

Poesia e Guerra



Somos mesmo muito ignorantes. Fui ouvir Atiq Rahimi no Stand-Up de Literatura do Cronópios, na Martins Fontes (quem quiser obter mais informações sobre esses eventos deve acessar o site do Cronópios – http://www.cronopios.com.br/). E me surpreendi quando ele falou do papel da poesia na vida do povo afegão.

A presença da poesia é tão forte que se manifesta até em brincadeiras de crianças. Formam-se dois times. O desafio de um é declamar um verso usando a última palavra do verso declamado pelo time adversário. E assim vai a disputa até que o grupo derrotado fique sem palavras.
Quando criança, Atiq participava desse jogo. Os melhores jogadores, cuja presença era disputada pelos grupos, eram aqueles que conseguiam decorar um número maior de versos. O autor se lembra de um menino que sabia quase 15 mil versos decor.

Essa imagem não combina com a de um país miserável, cruel, beligerante, insensível, intolerante. Pelo menos, não com a versão rasa que é vendida nos jornais e nas bancas de revista. Como um povo que ama a poesia pode viver em meio à guerra e à violência?

Acho que essa é a maior ignorância de todas. Achar que o amor às coisas belas afasta alguém da guerra ou da violência. A questão não é do que se gosta, mas sim do que somos capazes de fazer para conseguir aquilo que desejamos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A aliança

aliança derretida fundida liquefeita
o símbolo do amor eterno, da união perfeita
sem começo
sem fim
a frieza do metal não ama e não sente
a frieza do metal é que celebra os casamentos

Quanto de fogo é preciso para derreter o metal?

Quanto de fogo é preciso para quebrar um pacto?

sábado, 11 de julho de 2009

Coisas do Quiroga

“Você não precisa de passes mágicos para garantir ajuda e orientação do mundo espiritual. O único que você precisa é de um coração ardente que eleve uma oração alegre e sincera ao céu. Fácil dizê-lo, difícil fazê-lo.”

(Estadão - 11/07/09)

sexta-feira, 10 de julho de 2009

FLIP no Cronópios

Links para textos meus sobre a Flip, publicados no Cronópios:


Contagem regressiva para a Flip
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=3999

Segredos de família
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4037

O alumbramento de uma longa vida provisória
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4068

Mulheres invisíveis
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4072

Tudo acaba
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4075

quinta-feira, 9 de julho de 2009

FLIP 2009 - Autores

Davi Arrigucci Jr.
É sempre bom ouvir alguém falar com paixão. Seja sobre que assunto for. Ainda mais, literatura. Especialmente Manuel Bandeira.

Rafael Coutinho
Extrovertido e simpático. Pelo visto, eclético também. Artista plástico e quadrinista. Muito à vontade com o público, arrancou risos da platéia com a leitura do seu trabalho. Contraste: a alegria e descontração do momento com a tensão, melancolia e soturnidade da história apresentada por ele.

Rodrigo Grampá
Dos quatro quadrinistas presentes, o que mais parecia ter consciência/ciência do palco. Jeito de menino prodígio. Um pouco na defensiva. Por sorte, estava entre amigos. O trabalho apresentado por ele me fez lembrar de “Kill Bill”. Justo eu, que nunca assisti ao filme...

Rafael Moon
Tímido participativo. Simples, direto, simpático. A delicadeza de forma como a história é contada realmente impressiona. Mas, aqui, é preciso lembrar que o trabalho é a quatro mãos. Rafael trabalha com seu irmão, Gabriel.

Gabriel Bá
Mas retraído. Parece levar tudo um pouco a sério demais. Mas isso é só uma impressão, claro. Além da delicadeza, a ‘perfeição’ dos traços encanta os olhos. Mas ‘perfeição’ não é a melhor palavra para descrever o desenho. São linhas que cortam.

Os Gêmeos
Uma entidade à parte. Rafael Moon e Gabriel Bá são gêmeos. E é assim que todos se referem a eles. Muito esquisito. Já na abertura da mesa, Flavio Moura, diretor de programação da FLIP, fez confusão com os nomes dos dois. Depois disso, num certo momento da conversa, o mediador (Joca Reiners Terron) disse algo como “agora que os gêmeos já responderam, qual é a opinião de vocês sobre...”. O ‘detalhe’ é que apenas um deles havia falado. Mais um ponto que não dá para deixar de mencionar: ambos desenham a si mesmos nos quadrinhos, ou seja, são seus próprios personagens.

Simon Schama
Confesso que a performance de palco do historiador-escritor-ator me desconcertou. Mal consegui acompanhar sua fala. Gostei mesmo foi da mediadora, Lilia Moritz Schwarcz.

Catherine Millet
Mais uma francesa trabalhando no limite entre vida e ficção, autoria e protagonismo. Como Sophie Calle. E também como o escritor argelino Gregoire Bouillet, que transforma suas experiências em relatos. O engraçado é que, quanto mais eles parecem se aproximar do que chamaríamos de “vida real”, mais parecem se distanciar dela. Criam uma espécie de ilusão de óptica em palavras. 

Gay Talese
Figura impecável. Terno e chapéu. Na verdade, fato. Acho que fato é melhor do que terno neste caso. Filho de alfaiate. Meticuloso e sério. De um humor sem risadas nem sorrisos. Imagino Talese como uma antena que gira em todas as direções captando sons, ruídos, trechos de conversas. Imagino Talese como um arquivista meticuloso. Registrando o material coletado, catalogando. Até que, por combustão espontânea, algo se incendeia em sua mente e desencadeia todo o processo. Como um cão perdigueiro, segue sua pista até o final.

Angélica Freitas
“É difícil responder essa pergunta. Posso ler um poema do Bandeira que eu separei para vocês?” A participação da poeta na conversa não foi exatamente marcante, mas o pouco que leu do seu trabalho - que eu não conhecia - despertou meu interesse. Quero ler seus poemas.

Heitor Ferraz
Parecia pouco à vontade no palco, mas o mesmo poderia ser dito de Angélica e do mediador (Carlito Azevedo) da mesa de poesia, que também contou com Eucanaã Ferraz. Acho engraçada essa ‘timidez’ excessiva dos poetas se comparada à emoção escancarada dos versos. Não consigo imaginar exposição maior que essa... Talvez, por isso. (Os poetas fingidores fingem sempre ser eles mesmos. Essa é a minha tese.)

Eucanaã Ferraz
Na linguagem feminina contemporânea, um ‘fofo’. Depoimento encantador sobre sua formação. O papel da música popular. As canções da mãe. O acesso aos livros possibilitado pela escola pública. A questão do ensino. E a leitura memorável de um poema de Bandeira. Seu nome já estava na minha lista de autores a conhecer. Subiu mais alguns degraus no ranking de prioridades.

Bernardo Carvalho
Já ouvi Bernardo Carvalho em outras ocasiões. Sempre tenho a impressão de que ele gosta de discordar. Quando não do conteúdo, da forma. Crítico por natureza e profissão. Gosto do trabalho dele e de ouvi-lo falar. Seus comentários, independentemente do modo como professados, são pertinentes. Quer eu concorde com eles ou não. Além disso, realmente me divirto com as reações que ele provoca na platéia!

Atiq Rahimi
Exótico, claro. Começando pelo currículo: escritor e cineasta afegão, radicado em Paris, ganhador do prêmio Goncourt, o mais prestigiado prêmio literário francês. Quantas pessoas você conhece com esse perfil? E que diabo é o Afeganistão? Depois dessa onda de livros melodramáticos e apelativos (sejam eles bem intencionados ou não, agradáveis de se ler ou não), impossível não ter uma visão distorcida do país e do seu povo. Somem-se a isso as reportagens de jornais, monotemáticas e parciais. A verdade é que o rótulo do exotismo quase sempre deturpa e deforma. O jeito é ler mais. E melhor.

A hora do Lobo

Alex Ross, Sophie Calle e Gregoire Bouillier, Anne Enright e James Salter, Gay Talese e António Lobo Antunes. Essas foram as atrações deste sábado.

Ross, crítico de música erudita na revista New Yorker, falou de seu livro “O resto é ruído”. Lembrou de uma época em que os grandes concertos eram acontecimentos. Em que o público reagia ao que via e ouvia, tomava partido, tinha opinião. Havia tumulto. Os compositores eram celebridades. Tive saudade desse tempo que não conheci. Hoje, arrisca o próprio autor, as pessoas têm medo de se manifestar: “não queremos estar do lado errado da história”. Uma pena.

Sophie e Gregoire, na primeira aparição pública conjunta, falaram do trabalho dela. Sophie, após receber um e-mail de Gregoire rompendo o relacionamento que mantinham, pediu a 107 mulheres que analisassem a mensagem. Com esse material, construiu seu trabalho, intitulado “Prenez soin de vous”, frase de despedida utilizada pelo ex-namorado.

Apesar do visível nervosismo de ambos, o debate rendeu bons momentos. O suficiente para se conhecer melhor o trabalho de Sophie, difícil de classificar. (Por aqui, ela foi apresentada como sendo uma “artista conceitual”, seja lá o que isso signifique.) Mas muito pouco se falou da obra de Gregoire, escritor francês de origem argelina, que, certamente, merecia atenção.

Anne Enright e James Salter, com a mediação de Liz Calder, presidente da FLIP, falaram de seus respectivos trabalhos. Salter, escritor americano, substituiu Tobias Wolff, cujo trabalho, aparentemente, apresenta mais pontos de contato com Enright, escritora irlandesa, vencedora do Booker Prize de 2007 com o livro “O Encontro”. Com isso, a unidade da mesa acabou se perdendo. Não houve grande interação, mas sim a apresentação do trabalho de um e de outro.

Gay Talese, mestre do jornalismo literário americano, sempre impecável, foi o próximo a subir ao palco. Quem chegou a Paraty já na quarta-feira, certamente teve a oportunidade de vê-lo caminhando pela cidade, sempre de terno e chapéu. Coube a Mario Sergio Conti, com muita sutileza, conduzir a conversa. Talese se estendeu nas respostas, caprichando nos detalhes. Consultou o relógio a cada nova pergunta, controlando ele mesmo a duração da entrevista. Falou do seu bastante controvertido método de trabalho, da sua infância, dos livros publicados e do livro que está desenvolvendo agora, onde analisa seu próprio casamento.

Para encerrar a noite, Humberto Werneck recebeu o escritor português Lobo Antunes. Foi um sucesso. A empatia logo estabelecida entre entrevistador e entrevistado e a proximidade do autor, cujo avô era brasileiro, com o país parecem ter sido suficientes para deixar Lobo Antunes à vontade.

Histórias de família, referências literárias, amizades e literatura. Os temas abordados foram muitos. A platéia quase chegou a atrapalhar, com tantos aplausos. Apesar do sucesso alcançado por Lobo Antunes em Portugal e no exterior, com 21 livros publicados, o autor não é muito conhecido pelo público brasileiro. Espero que isso mude agora.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

FLIP 2009

Sol. Estrada livre. Mar azul. Amigos. Assim começa a FLIP, nesta primeira quarta-feira de julho. Paraty ainda está tranquila. Sofre os últimos ajustes para a festa, entre areia, pedras e um batalhão de pessoas envolvidas na organização e cobertura do evento. Até sexta-feira, esses personagens irão desaparecer - um a um - em meio à horda do público. Mas, hoje, a cidade é deles.

Senti falta das bandeirinhas do ano passado, lembranças das festas de junho. Ou esse ano não houve festa junina em Paraty ou alguém teve a péssima ideia de apagar seus vestígios. O jeito é eu me contentar com os balões pendurados em frente à tenda da Flipinha.

Ainda estou tentando reconhecer as ruas do ano passado e encontrar os vãos certos para pisar entre as pedras do calçamento.

Tomara que não chova! Chuva só combina com poesia: "Chove chuva choverando / Que a cidade do meu bem / Está-se toda se lavando." (Oswald de Andrade). Não combina com festa. Nem mesmo literária...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Nós, os afortunados

"Nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados. A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer. As pessoas potenciais que poderiam estar no meu lugar, mas que jamais verão a luz do dia, são mais numerosas que os grãos de areia da Arábia. Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos disso porque o conjunto das pessoas possíveis permitidas pelo nosso DNA excede em muito o conjunto de pessoas reais. Apesar dessas probabilidades assombrosas, somos eu e você, com toda a nossa banalidade, que aqui estamos..."

[Trecho de “Deus, um Delírio”, de Richard Dawkins, pág. 21, Editora Companhia das Letras, São Paulo:2007]

terça-feira, 9 de junho de 2009

Viver sem tempos mortos


Quero meu duplo

Simone ou Fernanda? Difícil dizer o que move a peça, se a personagem ou a atriz que a personifica.

Quero meu duplo

Durante 60 minutos são elas que dão as cartas, sentadas numa cadeira, num palco vazio, despejando palavras, contando histórias, narrando uma vida. Admiro a coragem de ambas. Ela me comove.

Quero meu duplo

Ao final da peça, as luzes se apagam e o teatro deságua em aplausos. Em algum instante, na escuridão e no barulho estrepitoso, Simone cederá lugar à Fernanda. Eu aguardo, ansiosa. E é esta quem recupera o fôlego para agradecer a manifestação emocionada e vibrante do público, já sob as luzes acesas.

Quero meu duplo

Como será essa sensação? Quedar sentada no escuro, sozinha e exposta em praça pública ao mesmo tempo, após uma hora de concentração, nervosismo, esforço. Uma hora de tensão que consome o corpo, retesa os músculos, obriga a respiração a se ajustar às frases, o corpo a se conter.

Quero meu duplo

Saber-se o centro das atenções, a principal peça do tabuleiro. Comandar uma multidão de pessoas, conduzi-las por caminhos que só você conhece, jogar com elas, invadi-las. Abduzi-las. E, no final, ali, calada, protegida pela ausência de luz, sentir pela vibração do chão que alcançou seu objetivo.

Quero meu duplo

Durante aqueles ínfimos segundos, debaixo de escuridão e dos aplausos, o rosto invisível, a respiração ainda acelerada, o corpo aquecido pelo esforço, os músculos começando a desfalecer, aliviados, o que respira Fernanda? Que ar invade seus pulmões?

Ficha Técnica: "Viver sem tempos mortos", peça inspirada em correspondências de Simone de Beauvoir para Jean-Paul Sartre, com Fernanda Montenegro e direção de Felipe Hirsh. Em exibição no SESC Consolação.

terça-feira, 26 de maio de 2009

The Gathering

Uma história de família. Grande e desequilibrada. Narrada em primeira pessoa, por uma das personagens, Veronica. E aí está o que mais me agradou nesse livro. O modo como a história é contada, mais do que a história em si.

Embora a narrativa não seja linear, oscilando entre passado e presente, não há confusão alguma. A condução de Anne Enright, sua construção, funciona bem. Nem a inconstância de Veronica, a personagem-narradora, que vive no limite da consciência e da perturbação, representa um obstáculo ao leitor.

Apesar da dramaticidade, a narrativa é sóbria em sentimentos. A memória e a invenção se confundem. Veronica não sabe se imagina ou recorda. Em determinadas passagens, deixa claro sua invencionice. Afinal, o que importa se tudo se passou dessa ou daquela maneira? Poderia ter sido assim. E isso é o suficiente para desnudar os personagens que apresenta.

E em todos os momentos, os laços de família. Que une cada um ao outro. Uma corda que aperta braços, cinturas, pernas, pescoços. Às vezes tão forte a ponto de sufocar. Amor e ódio. Vida e morte.

Gosto da novidade do texto de Anne Enright, da agressividade e dramaticidade de Veronica, do seu tom seco e cortante, da ironia. E, por debaixo disso, a dor. Imensa. Excruciante. Pelo que se perde e pelo que se ganha. Por se estar vivo e por querer morrer.

Ficha Técnica: "The Gathering", de Anne Enright, Editora Black Cat, New York: 2007. (Publicado no Brasil com o título “O Encontro”, pela Alfaguara Brasil.)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Jesus da Costa

Chamava-se Jesus da Costa. Pregava a humildade. Por isso não acreditava em deus. Seria muita presunção.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Andrea del Fuego

Aos interessados, segue uma pequena 'amostra' do trabalho da autora: http://www.cronopios.com.br/stand-up/standup_andrea_del_fuego.pdf.

O Espaço do Leitor na Ficcção (debate)

Onde: Itaú Cultural (Av. Paulista, n. 149, esquina com a R. Leôncio de Carvalho)

Quando: Sexta, dia 22, às 20h

Debate: O Espaço do Leitor na Ficção ou Qual o Lugar do Leitor Real no Processo de Invenção?

Participantes: Bernardo Carvalho, Cintia Moscovich e Cristovão Tezza, com mediação de Manuel da Costa Pinto

“Qual o espaço ocupado pelo leitor real no processo de criação do escritor? Quem escreve conhece seu leitor real? Para quem se cria? Que tipo de público (faixa etária, classe social etc.)? Como lidar com três leitores bastante reais: o editor, o tradutor e o crítico literário? Se você é escritor, costuma mostrar seus originais a alguém antes de enviá-los para a editora - um leitor antes do leitor? O que você pretende que o leitor sinta ao ler um livro seu? Que tipo de leitor você acha que está representado nos seus livros? Quais leitores da chamada vida real você transforma em personagens?”

Esse debate faz parte do programa "Encontros de Interrogação", que acontece de 21 a 23 de maio no Itaú Cultural. Entrada gratuita. Ingressos distribuídos no local com meio hora de antecedência.

Mais informações: http://www.itaucultural.com.br/index.cfm?cd_pagina=2841&cd_materia=983&mes=5&ano=2009

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Stand-Up Literatura com Andréa del Fuego

Começou assim...

“Tomei um elevador com Clarice Lispector. Ela usava um vestido esmeralda e uma opala pendurada numa corrente. Segurava o cigarro para acendê-lo quando saísse, me olhou do joelho aos pés. Eu parei no térreo, ela continuou descendo.”

Andréa é jovem. Cabelos negros encaracolados, pele branca. Chegou protegida por uma espécie de timidez desenvolta. Simpática, carismática. Conquistou o público de imediato.

Leu alguns de seus textos, acompanhada por Celso Amâncio no violino. Isso tudo no pequeno café da Martins Fontes. Aos poucos, um grupo de pessoas passou a se aglomerar na entrada do café. Todos muito interessados.

Eu não conheço o trabalho de Andréa del Fuego, mas os títulos dos seus livros de contos soaram como provocação: “Nego tudo”, “Minto enquanto posso” e “Engano seu”. Comigo, funcionou. Deu mesmo vontade de ler.

Acabo de descobrir que ela também gosta do José Luís Peixoto, um dos autores portugueses cujo trabalho eu tenho acompanhado desde a última Flip. Resumindo, gostei da prévia. Incluí Andréa na minha lista de autores a conhecer.

Terminou assim...

“Nuno Leal Maia me pediu o telefone do William Bonner. Não posso dar, conheci ele há pouco tempo, vai achar que tô distribuindo contato. Nuno Leal Maia tem que entender minha posição, o Bonner precisa confiar em mim.”


Andréa Del Fuego foi a autora convidada do segundo encontro do Stand-Up Literatura, resultado da parceria do Portal Cronopios (www.cronopios.com.br) com a Livraria Martins Fontes. (O primeiro aconteceu em 03 de maio e teve o poeta Frederico Barbosa como convidado.) Além dos livros de contos já citados, a autora publicou também dois títulos infanto-juvenis: “Sociedade da caveira de cristal” e “Quase caio”.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Luana das rosas

Luana das rosas / Piercings nos lábios / Olhos de pitbull / Tatuagem no pescoço / Desmascarada por um sorriso

Vozes do Deserto

Espere uma lufada de vento. Quando ele chegar, feche os olhos. Sinta no rosto os grãos de areia. No alto da cabeça, a ardência do sol. Apure os ouvidos e ouça as vozes. E os berros. E os lamentos. E os uivos. E os gemidos. E procure. Procure sem cessar. Até ouvir uma voz. Voz de mulher. Que dança ao sabor do vento, revoluteia no ar, ágil, rápida. Que soluça e ri e ama e sofre e ameaça e ataca e recua. Não há como errar. É essa mesma. A voz dela. Dentre todas as vozes do deserto, você encontrou Scherezade.

Ouvi muitas histórias de Scherezade. Mais ainda, as histórias que Scherezade contava. Ali Babá, Aladim, Simbad. Mas foi ao ler o livro de Nélida que me dei conta de não saber o destino da mais famosa contadora de histórias do mundo.

Acho que isso significa que Scherezade era mesmo uma boa narradora. Justa, essa homenagem a ela. Ainda mais em forma de livro.

“Vozes do Deserto” narra a história de Scherezade, a jovem esposa que, para escapar da morte, enredava o califa em suas histórias, noite após noite, conquistando mais um dia de vida em troca da promessa do desenlace de uma nova aventura – quem não se lembra de “As mil e uma noites”?

A arte de narrar é o que sustenta toda a história. A tensão entre os personagens. As três mulheres isoladas no palácio. O Vizir. O Califa. E Fátima pairando sobre todos. A narrativa como vício e salvação. Como forma de viver o mundo. Como uma forma de vida.

Engraçado ter escolhido exatamente este livro pra ler, entre tantas possibilidades oferecidas pela autora. É o meu segundo livro dela. O primeiro foi “Coração andarilho”, autobiográfico. Há muitos pontos de contato entre eles, como não poderia deixar de ser.

Nélida, como Scherezade, é uma contadora de histórias. Cria suas narrativas em papel. Inventa personagens, envolve-os em sua trama, traça destinos. Seduz o leitor para que ele a acompanhe, prenda-se a ela. Sussurra em seu ouvido. Grita para ser ouvida no meio de uma tempestade. Cala-se até que ele implore para ouvir novamente sua voz.

O que move Nélida? O que ganha em troca de suas histórias? A favor de quem ou do quê exercita sua arte? Por que insiste e persiste na escritura? Para escapar da morte. Provavelmente.

Ficha Técnica: “Vozes do Deserto”, Nélida Piñon, Ed. Record, 2004.

Do Quiroga, sobre sonhos

“É só um sonho. Esta frase tenta transmitir a ideia de que os sonhos devam ser desvalorizados, enquanto a realidade concreta afirmada. Porém, a emoção sentida na presença de um sonho renega esta idéia de aparente bom senso.”

“Com certeza, é insensato correr atrás de sonhos para realizá-los. Sensato seria preservar o que já tenha sido conquistado. Porém, se a vida, para ser bela e gloriosa, precisa de uma dose de insensatez, o que você espera, então?”

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Blooks - Tribos e Letras na Rede



Estive no SESC Pinheiros ontem para acompanhar a primeira mesa de debates da programação do Blooks (blogs + books). Com a palavra: Ana Paula Maia, João Paulo Cuenca e Samir Mesquita. Mediação de Xico Sá.

Dos três convidados, só conhecia o João Paulo por conta das crônicas no jornal O Globo. Pouco depois descobri que também já havia lido sobre o trabalho do Samir, mais especificamente o livro “Dois Palitos” (recomendo uma visita à página http://www.samirmesquita.com.br/doispalitos.html).

O tema em pauta era a literatura sem papel. De novo a discussão sobre o futuro dos livros. Acho muito engraçada essa preocupação com o suporte material do livro, ou melhor, da palavra escrita. Que raio de diferença isso faz?

Pouco me importa se vou ler a palavra no papel, na tela do computador ou de um outro dispositivo eletrônico qualquer, projetada na parede, flutuando no ar feito um holograma.

Aliás, já pensou que delícia seria deitar na sua cama confortavelmente e ler o seu livro sem esforço, colhendo as letrinhas no ar? Nada de curvar as costas, torcer os pescoço ou esfolar os cotovelos.

Pena que quase nada se falou sobre as oportunidades que surgem a partir dos novos meios. Embora não se possa confundir o suporte material com o texto, também não se pode negar que ele representa limitações e possibilidades.

Deixando de lado outras experiências – como a do audiolivro, por exemplo – e falando apenas sobre papel e internet: no papel, o texto é estático, não há possibilidade de interação do leitor, os recursos gráficos disponíveis são limitados. Na internet, é possível fazer o contraponto disso tudo.

Não quer dizer que um meio seja melhor do que o outro. Apenas têm características diferentes. Eu gostaria de perder meu tempo pensando em como explorar essas características para contar uma história. Nesse sentido, achei muito interessante a novidade do trabalho do Samir.

Mas o saldo final foi bastante positivo. Saí de lá com muita coisa na cabeça: pensamentos e idéias, informações, dúvidas, irritações, curiosidades, inconformismos e alguns novos nomes.

Alta Literatura
Qual é a altura da literatura? Alta ou baixa, magra ou gorda, não importa. Gostaria que as pessoas lessem mais. Qualquer coisa que fizesse bem a elas. Emocionasse. Confortasse. Incomodasse. Divertisse.

O Famigerado Leitor
Quem é o leitor? Colega de profissão, aspirante ao cargo, nerd de plantão? O que ele quer? Precisamos encontrar/formar leitores que deem cabo da atual produção literária ou produzir literatura que dê cabo dos leitores?

Ana Paula Maia
Está prestes a publicar em papel um livro que já foi publicado na internet. Acredita na web como um eficiente meio de divulgação do seu trabalho. Por meio dela, o leitor tem a oportunidade de conhecer e se interessar pelo trabalho do autor. Lembra que não internet não é gênero, mas sim veículo. E que não existe ficcção para internet. Ficção é ficção, seja publicada em papel ou em meio digital. Acredita que a internet possa atrair mais leitores para o livro impresso.
Blog da Ana Paula Maia: http://www.killing-travis.blogspot.com/

João Paulo Cuenca
Não acredita que exista literatura para internet. Literatura é literatura. O suporte não é tão importante. Tem um blog desde 2001. O que ganhou com essa experiência? Uma espécie de pacto com o leitor, um espaço para testes, uma maneira rápida de se comunicar. Se considera ‘velho’ e se julga pessimista.
Blog do João Paulo Cuenca: http://oglobo.globo.com/blogs/cuenca/

Samir Mesquita
Fez o livro na caixinha de fósforo (“Dois palitos”, 2007) e acabou de lançar um livro novo, o “18:30”, que chama de ‘livro-mapa’. Adepto dos microblogs, que publica via twitter. Vê a internet como uma boa alternativa para divulgar seu trabalho. Acredita em seu potencial para atrair mais leitores para o papel. Com certeza, vale a pena acompanhar o trabalho do Samir. Criativo, novo, interessante.
Site do Samir Mesquita: http://www.samirmesquita.com.br/