segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Alguns poemas de “1”, de Gonçalo M. Tavares

A Prova na poesia

Queres acreditar?
Nenhuma garantia basta.
Por exemplo: não há narrativas
que levem a prescindir
da proximidade do mar.
O mar é material: exige a tua presença.
Também assim com a poesia.
Como um peregrino:
vai rápido ver o verso.

(Pág. 83)


Vento

O mesmo que empurra o incêndio em direcção ao ser vivo frágil
que perdeu caminho e tempo de fuga,
empurra ainda o cheiro da amante para a casa do amado.
E não se trata de sinalizar o caminho umas vezes à bondade
outras à maldade,
a moral do vento é outra,
e está toda no modo como ele toca na água:
faz o que tem a fazer e parte.

(Pág. 116)


Pág. 197
Irreflectida nunca é a Primavera. A natureza inteira procede como o predador: escondida atrás de algo prepara-se para surgir na hora certa. A Primavera aterra como os aviões acidentados, mas o que resulta não é negro.

Pág. 205
Nem sempre os dias obedecem a fórmulas. Na cidade, com intervalo de meia hora, os melhores dedos contam diamantes e tocam nos seios da mulher que amam. Os ossos são múltiplos e, apesar de escondidos, tornam semelhantes entre si os cidadãos saudáveis. Mas o tráfico mais perseguido em certos edifícios públicos é o dos segredos. O homem rodopia atrás dos acontecimentos e é editado, como um livro, pelo trabalho que aceitou. Atirado és para o mundo pelas ordens a que obedeces.

Poemas extraídos de “1”, de Gonçalo M. Tavares, Editora Bertrand Brasil.

Um comentário:

Denise Marcolino disse...

Silvia e seus portugueses. Ora pois!!