domingo, 26 de outubro de 2008

Rio das Flores

Fiel a minha fase “portuguesa”, acabo de ler “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares. Conheci o autor por acaso, mudando os canais da TV e dando com ele no Roda Viva. Foi assim que resolvi ler o livro. A história se passa entre Portugal e Brasil. O autor narra a história de uma família portuguesa, mais precisamente de dois irmãos, na primeira metade do século XX, no entre guerras.

Os personagens conquistam com facilidade, a narrativa flui como o rio do título. Dá para sentir o cheiro do ar. Do calor do Brasil. Do calor e do frio de Portugal. Da terra.

Irmãos que se amam apesar das diferenças. Que se decepcionam um com o outro, que não se compreendem, que assumem posições opostas na vida. E se amam. E são irmãos.

Há uma sensação de “pertencimento” que atravessa toda a obra. Dos personagens com a terra e das mulheres com os homens. Não se trata de amor. O amor é outra coisa. Mas sim de sentido, direção, diretriz, razão de ser. A relação homem-mulher no viés do macho e da fêmea, sem que isso signifique submissão ou humilhação ou simples apelo ao sexo. A eterna ânsia da completude. A noção e o reconhecimento dessa necessidade atávica, inata, fisiológica. E a sensualidade que perpassa os cenários, diálogos e corpos que se tocam ou não.

O modo como a história da família se contorce e se confunde com a historia de Portugal, do Brasil e do mundo é apaixonante. A vida, as decisões de cada um, o destino são induzidos, conduzidos, confundidos com a história de todos, de nações inteiras, de continentes e mundos. Separados e indissociáveis simultaneamente.

Há uma reflexão necessária nisso tudo. Quando os irmãos, assumindo posições opostas numa guerra deflagrada e buscada, se confrontam, não se pode recusar a similitude, a semelhança. A guerra é guerra por si só. Todos os lados são maus. Todos guerreiam. E lutar é lutar. Somos todos iguais nesse instante. A violência instala-se de lado a lado. Não há bem ou mal, mocinhos e bandidos. As atrocidades de um lado são ‘contrabalançadas’ pelas atrocidades do outro.

Engraçado o olhar português sobre o Brasil, muitas vezes carinhoso. Parece que eles se identificam mais com o Brasil do que o Brasil com eles. O Brasil como alegria. Sem o ranço, sem o peso, o cansaço, a tristeza e a idade da Europa. A juventude do Brasil. O país por descobrir. O tamanho, a largueza das fronteiras.

E, entre tantas alegrias e tristezas, amores e traições, a catarse: “Queres mesmo?” “Quero muito.” É preciso ler.

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