terça-feira, 9 de setembro de 2008

Nenhum Olhar

O que dizer de um lugar em que os casamentos são celebrados pelo diabo? Em que o tempo corre diferente para um único homem, que, embora envelheça, não morre nunca? Em que irmãos siameses permanecem ligados por um só dedo? Em que há prostitutas de olhos vazados e carpinteiros sem perna ou braço?

Resignação e inexorabilidade. Esse é o universo desse livro-fábula, onde, apesar do estranhamento, a vida se revela como sempre, como em qualquer outro lugar, sob um sol inclemente e o olhar manso, de cordeiro, de um pastor. Esse é o universo criado pelo autor para contar sua história.

Você pode se perder entre as referências e simbologias, brincando de adivinhar o que representa o quê. É divertido se enveredar pelas metáforas. Será que a falta dos membros representa uma alma amputada? Será que ausência de olhos representa a incapacidade de chorar ou ver, recurso necessário para suportar um destino inglório? E a resignação de José? E a ausência total de redenção?

Já neste livro, a repetição dos pais nos filhos, que o autor retoma em outros trabalhos, é marcante.

Mas, enquanto ficamos buscando sentido para a história, tentando imaginar como acaba, qual será o seu desfecho, é o próprio sentido da vida que está em jogo. Se é que a vida precisa de sentido.

É um livro duro, permeado por um desespero que eu não sei se é do autor ou meu. A resignação do pastor ao seu destino. O amor seco e gasto dos personagens, como se já tivessem vivido vezes sem fim aquelas mesmas vidas, aquelas mesmas dores.

Nenhum olhar é uma fábula que fala da vida, do amor e da morte. A linguagem é uma espécie de personagem. Tem corpo, textura, vontade. Conduz a história, controla seu ritmo, hipnotiza. Peixoto escreve prosa como quem faz poesia. Não deixa nunca de ser poeta.

O movimento também merece atenção. As cenas são compostas em camadas. Cada personagem faz a sua narrativa e assim compõe-se a cena final. Numa espécie de sedimentação. Como a areia na beira de um rio.

Para variar, fiquei procurando deus, ora no escritor que escreve num quarto sem janelas, ora no homem que parece controlar o tempo.

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