São Paulo é uma cidade maluca. São tantos contrastes, tantas misturas que deixam a gente até tonta.
Hoje eu estava perdida, dentro de um ônibus, sem saber direito se eu conseguiria chegar ao meu destino. De mau humor, claro.
Estava descendo a Cardeal Arcoverde quando perguntei à mulher ao meu lado se o ônibus passaria pelo Largo de Pinheiros.
Tinha quase certeza de que sim, mas achei melhor confirmar. Minha companheira de ônibus, não só confirmou, como, perguntou para onde eu iria e passou a explicar detalhadamente o caminho, sem que eu sequer pedisse.
Se aplicou tanto a essa tarefa que acabou deixando passar seu próprio ponto e teve que descer no seguinte.
Ainda não satisfeita, consultou o cobrador antes de descer e fez um sinal pra mim só para confirmar que a orientação dada estava correta.
Desci do ônibus pouco depois, no lugar indicado por ela, e cheguei onde eu queria. Sem erros, sem desvios.
Melhor: cheguei de bom humor, alegre pela gentileza. E, acima de tudo, agradecida.
domingo, 30 de novembro de 2008
sábado, 29 de novembro de 2008
O outro pé da sereia
Atravessando mundos e séculos, Mia Couto narra histórias paralelas, separadas por séculos e culturas, mas estranhamente próximas.
Como pano de fundo, a religião, as crenças e os reflexos de povos que se esbarram, se encontram, se misturam, se chocam e se fundem.
Você pode ler o livro como se ele falasse de mundos distantes, exóticos, apartados do nosso. Mas, sinceramente, não acredito nisso. Prefiro ver no texto um outro olhar sobre nós mesmos, nossas origens, nossa história.
Em 1560, D. Gonçalo da Silveira leva uma imagem de Nossa Senhora desde a Índia até Moçambique. Viaja para catequizar.
Em 1560, Nimi Nsundi, viaja da Índia a Moçambique como escravo, mas serve à Kianda, a deusa das águas, também cativa da nau dos portugueses, presa numa estátua de madeira, ordenando ser libertada.
Em 2002, de novo a estátua. Se da santa, se da deusa, não sei. Mas, dessa vez, quem anseia por liberdade é outra personagem: Mwadia, a canoa, aquela que faz a travessia, a passagem.
Costurando por esses retalhos, o autor constrói sua história. Com humor e inteligência.
O outro pé da sereia revela um pouco de uma cultura distante e próxima, a da África de língua portuguesa. É um bom livro para se conhecer um pouco do trabalho de Mia Couto.
Ficha Técnica: "O outro pé da sereia", de Mia Couto, Editora Companhia das Letras.
Como pano de fundo, a religião, as crenças e os reflexos de povos que se esbarram, se encontram, se misturam, se chocam e se fundem.
Você pode ler o livro como se ele falasse de mundos distantes, exóticos, apartados do nosso. Mas, sinceramente, não acredito nisso. Prefiro ver no texto um outro olhar sobre nós mesmos, nossas origens, nossa história.
Em 1560, D. Gonçalo da Silveira leva uma imagem de Nossa Senhora desde a Índia até Moçambique. Viaja para catequizar.
Em 1560, Nimi Nsundi, viaja da Índia a Moçambique como escravo, mas serve à Kianda, a deusa das águas, também cativa da nau dos portugueses, presa numa estátua de madeira, ordenando ser libertada.
Em 2002, de novo a estátua. Se da santa, se da deusa, não sei. Mas, dessa vez, quem anseia por liberdade é outra personagem: Mwadia, a canoa, aquela que faz a travessia, a passagem.
Costurando por esses retalhos, o autor constrói sua história. Com humor e inteligência.
O outro pé da sereia revela um pouco de uma cultura distante e próxima, a da África de língua portuguesa. É um bom livro para se conhecer um pouco do trabalho de Mia Couto.
Ficha Técnica: "O outro pé da sereia", de Mia Couto, Editora Companhia das Letras.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Um terno de pássaros ao sul
“Um terno de pássaros ao sul” é uma espécie de acerto de contas. Acerto de contas de um poeta, frise-se. Menos com uma pessoa – seu pai – e mais com o passado, com a história de cada um, com a vida em todo o seu potencial humano.
Entre pessoas tecidas para o amor e amortecidas por ele, o poeta faz sua viagem entre passado e presente, infância e maturidade.
“Quando nasceram os filhos, amaste teus escritos. Quando nasceram os netos, amastes teus cachorros. Quando vamos coincidir?”
Talhado para o amor e amortalhado por ele, o poeta filtra decepção, dor, amor, reconhecimento. Não se trata de perdão, mas de aceitação. O menino e o homem se fundem ao texto. Primeiro filho, agora pai, o poeta se recompõe.
“Tivemos a coragem de superar o começo, não transformar a filiação em carta de guerra, imitação da treva.”
O abandono e o reencontro. A dureza das palavras contrapostas ao pedido da criança: “Volta ao pampa, pai”. “Volta ao pai, pampa.”
Ficha Técnica: "Um terno de pássaros ao sul", de Fabrício Carpinejar, Editora Bertrand Brasil.
Entre pessoas tecidas para o amor e amortecidas por ele, o poeta faz sua viagem entre passado e presente, infância e maturidade.
“Quando nasceram os filhos, amaste teus escritos. Quando nasceram os netos, amastes teus cachorros. Quando vamos coincidir?”
Talhado para o amor e amortalhado por ele, o poeta filtra decepção, dor, amor, reconhecimento. Não se trata de perdão, mas de aceitação. O menino e o homem se fundem ao texto. Primeiro filho, agora pai, o poeta se recompõe.
“Tivemos a coragem de superar o começo, não transformar a filiação em carta de guerra, imitação da treva.”
O abandono e o reencontro. A dureza das palavras contrapostas ao pedido da criança: “Volta ao pampa, pai”. “Volta ao pai, pampa.”
Ficha Técnica: "Um terno de pássaros ao sul", de Fabrício Carpinejar, Editora Bertrand Brasil.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
A criança em ruínas
Um livro dolorido. Ausência, dor, separação, perda. Saudade de um tempo passado, de uma infância que já não existe mais. Saudade de uma parte da vida já vivida e que, por isso, não existe mais. Ou existe. Mais do que nunca, pois não pode mais ser alterada ou esquecida ou retocada.
A imagem de uma criança em ruínas não é exatamente agradável. Mas na infância retratada pelo poeta, as crianças parecem ser crianças. A infância tem cara, jeito, gosto de infância. Na verdade, a idéia que fica é a da passagem do tempo. Da criança que deixou de ser criança porque cresceu. E do adulto que, de algum modo, se ressente com isso.
Mais do que síndrome de Peter Pan, a nostalgia da infância surge como uma espécie de resgate da ausência, uma recomposição do conceito de família, do conforto e da segurança que, na vida adulta, são tão difíceis de recuperar.
Um livro apaixonante.
Ficha Técnica: "A criança em ruínas", de José Luís Peixoto, Editora Quasi.
A imagem de uma criança em ruínas não é exatamente agradável. Mas na infância retratada pelo poeta, as crianças parecem ser crianças. A infância tem cara, jeito, gosto de infância. Na verdade, a idéia que fica é a da passagem do tempo. Da criança que deixou de ser criança porque cresceu. E do adulto que, de algum modo, se ressente com isso.
Mais do que síndrome de Peter Pan, a nostalgia da infância surge como uma espécie de resgate da ausência, uma recomposição do conceito de família, do conforto e da segurança que, na vida adulta, são tão difíceis de recuperar.
Um livro apaixonante.
Ficha Técnica: "A criança em ruínas", de José Luís Peixoto, Editora Quasi.
Canalha! - uma introdução
Nesta última sexta-feira, fui ouvir Fabrício Carpinejar falar sobre seu novo livro de crônicas: “Canalha!”. O tema do encontro: “Feios, limpos e malvados”. O parceiro: Xico Sá. Enfim, diversão garantida.
Carpinejar já havia postado em seu blog alguns textos sobre o livro, além de matérias publicadas na imprensa. Nesses textos, ele apresenta seu conceito de canalha, fazendo as devidas distinções entre cafajestes e afins.
O que eu pude entender disso tudo é que o canalha é um eterno apaixonado. Inconstante, impulsivo e descompromissado. É o cara que, quando está com você, é completamente seu. Não poderia haver melhor companhia. É aquele que te olha e não precisa dizer nada para você se sentir a mulher mais interessante do planeta. Que seduz, cativa e consome. O canalha sempre põe a mão no lugar certo, na hora certa. E, quando não está afim, simplesmente desaparece para reaparecer num outro dia qualquer, sem aviso, sem notícia.
Pode haver coisa melhor que isso? Claro, eu não recomendaria um canalha para quem quer constituir família. Mas, se a sua já estiver constituída, ou desconstituída – ou, ainda, em qualquer fase desse processo –, o canalha me parece ser uma ótima opção.
Para mim, o canalha é a versão moderna do príncipe encantado. E já estava na hora dele se atualizar, afinal, nem nos desenhos animados os velhos príncipes estão em alta. Em Shrek, por exemplo, entre o Encantado e o ogro, quem não escolheria o ogro?
O canalha aparece quando você já desistiu de esperar por ele e se desdobra para te conquistar mais uma vez, para fazer todas as suas vontades. Depois some de novo. Não dá tempo de enjoar. Deixa para trás algo mal resolvido, o fiozinho do novelo, a retomada possível. Além de tudo, é discreto. Não sai contando vantagens por aí, o que amplia ainda mais seu raio de ação – sem distinção de credo, raça ou conta bancária –, sem pudores ou constrangimentos.
Claro que essas idas e vindas podem ser difíceis de suportar. O canalha está sempre de passagem. Mas isso o torna absolutamente previsível. Namoros, casamentos e tudo mais é que são complicados, pois, teoricamente, são feitos para durar. Mas por quanto tempo? Quanto dura um casamento, uma paixão, um relacionamento?
Com o canalha, não há esse problema. Não vai durar e pronto. Muito mais fácil. E isso obriga ambas as partes a aproveitarem cada instante da melhor maneira possível.
Na verdade, acho que o maior problema é de ordem quantitativa. Não é fácil ser canalha. Satisfazer uma mulher, mesmo que esporadicamente, não é para qualquer um. É preciso muita competência e uma boa dose de talento. Canalha de verdade, digno do nome, há poucos por aí.
Bom, só queria registrar aqui minhas primeiras impressões sobre o que ouvi falar e li a respeito de "Canalha!". Agora vou direto à fonte, acabei de comprar o livro. Vamos ver se essa primeira percepção se sustenta.
Por ora, que venham os canalhas!
Carpinejar já havia postado em seu blog alguns textos sobre o livro, além de matérias publicadas na imprensa. Nesses textos, ele apresenta seu conceito de canalha, fazendo as devidas distinções entre cafajestes e afins.
O que eu pude entender disso tudo é que o canalha é um eterno apaixonado. Inconstante, impulsivo e descompromissado. É o cara que, quando está com você, é completamente seu. Não poderia haver melhor companhia. É aquele que te olha e não precisa dizer nada para você se sentir a mulher mais interessante do planeta. Que seduz, cativa e consome. O canalha sempre põe a mão no lugar certo, na hora certa. E, quando não está afim, simplesmente desaparece para reaparecer num outro dia qualquer, sem aviso, sem notícia.
Pode haver coisa melhor que isso? Claro, eu não recomendaria um canalha para quem quer constituir família. Mas, se a sua já estiver constituída, ou desconstituída – ou, ainda, em qualquer fase desse processo –, o canalha me parece ser uma ótima opção.
Para mim, o canalha é a versão moderna do príncipe encantado. E já estava na hora dele se atualizar, afinal, nem nos desenhos animados os velhos príncipes estão em alta. Em Shrek, por exemplo, entre o Encantado e o ogro, quem não escolheria o ogro?
O canalha aparece quando você já desistiu de esperar por ele e se desdobra para te conquistar mais uma vez, para fazer todas as suas vontades. Depois some de novo. Não dá tempo de enjoar. Deixa para trás algo mal resolvido, o fiozinho do novelo, a retomada possível. Além de tudo, é discreto. Não sai contando vantagens por aí, o que amplia ainda mais seu raio de ação – sem distinção de credo, raça ou conta bancária –, sem pudores ou constrangimentos.
Claro que essas idas e vindas podem ser difíceis de suportar. O canalha está sempre de passagem. Mas isso o torna absolutamente previsível. Namoros, casamentos e tudo mais é que são complicados, pois, teoricamente, são feitos para durar. Mas por quanto tempo? Quanto dura um casamento, uma paixão, um relacionamento?
Com o canalha, não há esse problema. Não vai durar e pronto. Muito mais fácil. E isso obriga ambas as partes a aproveitarem cada instante da melhor maneira possível.
Na verdade, acho que o maior problema é de ordem quantitativa. Não é fácil ser canalha. Satisfazer uma mulher, mesmo que esporadicamente, não é para qualquer um. É preciso muita competência e uma boa dose de talento. Canalha de verdade, digno do nome, há poucos por aí.
Bom, só queria registrar aqui minhas primeiras impressões sobre o que ouvi falar e li a respeito de "Canalha!". Agora vou direto à fonte, acabei de comprar o livro. Vamos ver se essa primeira percepção se sustenta.
Por ora, que venham os canalhas!
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
Crise Financeira
Dona Maria entra no armazém da esquina e cumprimenta o dono. Minutos depois, coloca sobre o balcão a compra do dia e a caderneta do fiado.
- Xi, dona Maria, agora não tem mais fiado, não. Só vendo à vista.
- Como assim, seu João, eu sempre comprei com caderneta. E paguei em dia.
- É a crise, dona Maria, é a crise.
- Que crise?
- Essa aí, da televisão, a crise financeira.
Seu João falou arregalando os olhos e se demorando em cada sílaba da fatídica crise.
- Essa dos bancos?
Dona Maria estava antenada.
- É, essa danada.
- Mas o senhor não é banco, seu João. Aliás, nem conta o senhor tem que eu sei!
Era verdade, mas não fazia a menor diferença. Seu João não tinha dinheiro no banco mas sabia que os bancos eram especialistas em fazer dinheiro. Enfim, um exemplo a seguir.
- A senhora nunca ouviu falar em globalização, dona Maria? Essa crise é assim, globalizada. Mesmo eu não sendo banco, ela vai chegar até aqui. Vai faltar crédito na praça. Se nem os bancos vão emprestar, como é que eu vou me arriscar?
Dona Maria já ia a perder a paciência, mas se conteve a tempo. Respirou fundo e voltou à carga com novos argumentos.
- Mas essa crise não é de verdade, seu João. O senhor não ouviu o presidente na TV outro dia? É crise de confiança. Agora só falta o senhor dizer que não confia aqui, na sua comadre.
Seu João coçou a cabeça, pensativo. Confiar, confiava, mas sempre desconfiando. Entre confiar nos bancos, porém, ou na comadre, acabou optando pela alternativa mais segura.
- Vá lá, dona Maria, vá lá. Me passe essa caderneta.
Dona Maria sorriu, satisfeita. Agora era torcer para a crise não levar o emprego do marido, caso contrário, como é que ela iria pagar a caderneta?
- Xi, dona Maria, agora não tem mais fiado, não. Só vendo à vista.
- Como assim, seu João, eu sempre comprei com caderneta. E paguei em dia.
- É a crise, dona Maria, é a crise.
- Que crise?
- Essa aí, da televisão, a crise financeira.
Seu João falou arregalando os olhos e se demorando em cada sílaba da fatídica crise.
- Essa dos bancos?
Dona Maria estava antenada.
- É, essa danada.
- Mas o senhor não é banco, seu João. Aliás, nem conta o senhor tem que eu sei!
Era verdade, mas não fazia a menor diferença. Seu João não tinha dinheiro no banco mas sabia que os bancos eram especialistas em fazer dinheiro. Enfim, um exemplo a seguir.
- A senhora nunca ouviu falar em globalização, dona Maria? Essa crise é assim, globalizada. Mesmo eu não sendo banco, ela vai chegar até aqui. Vai faltar crédito na praça. Se nem os bancos vão emprestar, como é que eu vou me arriscar?
Dona Maria já ia a perder a paciência, mas se conteve a tempo. Respirou fundo e voltou à carga com novos argumentos.
- Mas essa crise não é de verdade, seu João. O senhor não ouviu o presidente na TV outro dia? É crise de confiança. Agora só falta o senhor dizer que não confia aqui, na sua comadre.
Seu João coçou a cabeça, pensativo. Confiar, confiava, mas sempre desconfiando. Entre confiar nos bancos, porém, ou na comadre, acabou optando pela alternativa mais segura.
- Vá lá, dona Maria, vá lá. Me passe essa caderneta.
Dona Maria sorriu, satisfeita. Agora era torcer para a crise não levar o emprego do marido, caso contrário, como é que ela iria pagar a caderneta?
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