domingo, 26 de abril de 2009

Nem o Euclides escapou da reforma ortográfica

Está lá, no Estadão de hoje, logo abaixo da reprodução de texto do Euclides da Cunha, datado de 1º de maio de 1892: "A grafia deste texto foi atualizada segundo regras do Novo Acordo Ortográfico. Preservou-se a pontuação e as construções sintáticas originais do autor, a fim de não alterar seus estilo".

A correção ortográfica, até entendo. Mas a segunda parte do aviso é um primor, só faltava mesmo alterarem a "pontuação e as construções sintáticas". Sobraria o quê? A assinatura do Euclides?

Flip 2009: autores confirmados

- Alex Ross (americano)

- Anne Enright (irlandesa)

- Arnaldo Bloch

- Atiq Rahimi (afegão)

- Carlos Fuentes (mexicano)

- Catherine Millet (francesa)

- Chico Buarque

- Cristovão Tezza

- Edna O’Brien

- Fábio Moon e Gabriel Ba - http://10paezinhos.blog.uol.com.br/

- Gay Talese (americano)

- Milton Hatoum

- Rafael Coutinho

- Rafael Grampá

- Richard Dawkins (britânico)

- Simon Schama (britânico)

- Sophie Calle (francesa)

- Tatiana Salem Levy

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Martha Medeiros - poesia

envelhecer, quem sabe
não seja assim tão desatroso
me interessa perder esta ansiedade
me atrai ser atraente mais tarde
um pouco mais de idade, que importa
envelhecer, quem sabe
não seja assim tão só

(“Poesia Reunida”, Martha Medeiros, pág. 12, L&PM Pocket)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A mulher que escreveu a Bíblia

Claro que o livro é divertido, é do Scliar. Não falta ironia. Aliás, transborda. E muita imaginação.

A história se passa na época do rei Salomão, num passado longínquo, mas a linguagem é atual, afinal, trata-se do relato de uma mulher moderna.

A feiúra como sina e móvel da personagem. A linguagem vulgar mais como prova da origem – marginal, alheia ao mundo letrado, à cultura – que indicador de agressividade.

E o fascinante universo feminino, a capacidade de se iludir sabendo que se ilude, a capacidade inesgotável de fantasiar, a capacidade – e coragem – para decidir, agir, correr riscos.

Ainda falando de mulheres, um único objetivo: encontrar o amor. Um homem, para ser mais exata. Tudo gira em torno disso.

E a Bíblia sendo escrita à custa de tesão, como moeda de troca para o sexo.

Ficha Técnica: "A mulher que escreveu a Bíblia", Moacyr Scliar, coleção de bolso da Companhia das Letras.

sábado, 18 de abril de 2009

Termostato

Nasci com o termostato queimado. Já reclamei para a minha mãe. Sei que meu pai teve participação nisso, mas ele não é sensível a apelos como esse. Por isso, só reclamei para a minha mãe. Pena que não exista peça para reposição.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Flip 2009: autores confirmados

- Alex Ross (americano)
- Anne Enright (irlandesa)
- Atiq Rahimi (afegão)
- Carlos Fuentes (mexicano)
- Catherine Millet (francesa)
- Chico Buarque
- Cristovão Tezza
- Gay Talese (americano)
- Richard Dawkins (britânico)
- Simon Schama (britânico)
- Sophie Calle (francesa)

Coração Andarilho

Tenho inveja da Nélida. De sua determinação em ser escritora. De como se preparou para isso. E de como perseverou, pois nem a determinação nem o preparo foram suficientes. Admiro.

A princípio, estranhei a linguagem. Soou antiga e um pouco antiquada aos meus ouvidos. Mas, em se tratando da autora, não dá para resistir muito tempo. Logo você já está ali, ao lado dela, acompanhando seus passos.

Ainda não li seus livros. Este foi o primeiro, mas é um livro especial, diferente dos outros. Pelo menos, ‘mais’ diferente. Já faz algum tempo quero ler “Vozes do deserto”. O único problema é que a fila de espera está longa demais. Cismei de ler os autores da FLIP deste ano. E, antes disso, havia cismado de ler os autores portugueses contemporâneos. E, entre uma cisma e outra, os autores brasileiros.

Muita cisma, pouco tempo. Muitos livros. Que bom!

Ficha Técnica: “Coração Andarilho”, Nélida Piñon, Ed. Record, 2009.

Canalha!

É o primeiro livro de crônicas do Carpinejar que leio. Mas acompanho seu blog, portanto, não houve grandes surpresas.

Ler Carpinejar é muito bom. Por mais divertido que seja, há sempre um convite velado à reflexão. Isso sem falar do lado voyer que ele desperta ao escancarar sua vida privada em espaço público. Engraçado que essa é a própria ‘definição’ de um blog. Pelo menos, uma delas: um diário na internet. Ainda assim, surpreende. Incomoda, muitas vezes. Constrange pelo outro e por ele. Mais do que tudo, porém, aproxima.

As crônicas são divertidas, mas não se comparam aos poemas. Como se as crônicas fossem um campo de exploração lúdico, uma espécie de válvula de escape para o turbilhão de emoções e pensamentos cotidianos – “vastas emoções e pensamentos imperfeitos”, nas palavras de Rubem Fonseca.

Mas é nos poemas que a alma se esconde. O corpo, nas crônicas. A alma, nos poemas. Continuo procurando sua alma.

Ficha Técnica: “Canalha!”, de Fabrício Carpinejar, Editora Bertrand Brasil.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Neruda: "Posso escrever os versos mais tristes esta noite"

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

(Poema de Pablo Neruda)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Coisas de mulher

Eram três. Faixa etária: 45. Mulheres comuns. Tomavam café. Chamaram minha atenção com o arrastar de cadeiras e a contagem regressiva.

Uma delas, depois de apoiar a câmera fotográfica sobre uma pilha de livros, havia se levantado para se juntar às outras duas, já posicionadas em frente às lentes. Agachou-se entre as amigas dois segundos antes do disparo do flash.

Depois alcançou a câmera para checar o resultado. As três. Analisando o visor ao mesmo tempo entre risos e comentários satisfeitos. “Ficou ótima”.

O café estava cheio, mas elas preferiram não pedir ajuda a ninguém. Não sei se pensando em não incomodar ou se acreditando serem perfeitamente capazes do feito sem ajuda alguma.

Planejaram e executaram. O número certo de livros para alcançar a altura necessária. O lapso de tempo exato para o deslocamento da amiga. Os sorrisos sincronizados para o clique. Olhos bem abertos para não piscar.

Depois a comemoração conjunta e sincera dessa empreitada. E a ausência de modéstia: ficou ótima.

Excluindo a referência à modéstia, não consigo imaginar um grupo de homens repetindo a cena.

Acho que estamos levando à sério demais essa história de independência.

Sem Sangue

Alessandro Baricco outra vez. Numa novela maluca sobre guerras, vingança, violência, crimes, amor. Que faz pensar que as guerras são eternas para quem as vive. Não há armistício possível.

Nina é testemunha. E passa toda a sua vida transitando em torno do acontecimento que marcou sua infância e dos personagens que tomaram parte nele.

Em nenhum momento parece querer se livrar, esquecer, seguir adiante. Como se tivesse passado a vida vagando feito fantasma sobre os escombros da casa incendiada.

Uma história em que não há vítimas ou algozes. Uma boa história.

Ficha Técnica: “Sem Sangue”, de Alessandro Baricco, Companhia das Letras, 2008

"Gran Torino" / "Quem quer ser um milionário" / "Ele não está tão afim de você"

Gran Torino

Ele é ótimo, o Clint Eastwood. O filme também. A caracterização dos personagens. O ritmo da história, que fala de preconceito e violência.

Mas, apesar do tema, não espere um filme de denúncia social. É Hollywood. E não estou reclamando.

Os jovens atores que representam os vizinhos em apuro são encantadores. Além disso, a história foge do padrão herói apaixonado ou herói indestrutível. Trata-se de uma história sobre pessoas. Afeto, respeito, dever, velhice, família, diferenças culturais.

Quem quer ser um milionário?

O melhor comentário que li sobre o filme referia-se a ele como uma fábula. E é isso mesmo. Na verdade, um conto de fadas à indiana.

Um herói de coração puro que não se deixa contaminar pelo sofrimento, uma heroína apaixonada, um personagem ambíguo que acaba por se redimir, muitos vilões e uma fada madrinha (nesse caso, a sorte ou o destino, como preferir).

É ótimo. E novo. É bom variar de cenário, de rostos, de cultura, de vida.

Mas, depois da diversão, tente não pensar mais no filme ou, pelo menos, no seu pano de fundo: uma Índia miserável, um país de crianças perdidas.

Ele não está tão afim de você

Fui em busca de diversão, sem maiores pretensões. Encontrei. Isso e mais um pouco. Os diálogos são bons. A descrição do mundo feminino – com suas neuroses e incongruências – é bastante apurada.

A esposa patética, a soleira desesperada, a destruidora de lares e uma mulher perdida, sem saber direito como se encaixar nesse cenário, dividida entre o que sente e o que pensa e o que os outros pensam.

Impossível não se constranger com o modus operandi de Gigi. Mas difícil não se comover com ela.

Como sempre, as decisões recaem sobre as mulheres. São elas que conduzem a história. (Claro que a conduzem de forma a alcançar um único objetivo: encontrar o seu respectivo par – mas isso já é outro assunto).

E o que era para ser um filminho bobo, me fez parar para pensar sobre homens e mulheres e o futuro da humanidade.

Filmes que ainda quero ver:

- Valsa com Bashir
- Spirit
- Caos Calmo
- O leitor
- Brilho eterno de uma mente sem lembranças
- HellBoy 2
- O banheiro do Papa
- Do outro lado
- Irina Palm
- O segredo do grão
- A questão humana
- O homem de ferro
- Indiana Jones (o último)
- Batman (o último)
- Closer
- A arca russa
- A mulher sem cabeça / Pântano / A menina Santa
- Do outro lado
- Paranoid Park
- Armênia
- As leis da família
- Vermelho como o céu
- Em busca da vida
- O arco
- A vida secreta das palavras
- As invasões bárbaras

Sin Sangre

Assisti à peça no domingo, no SESC Vila Mariana. Quis ver porque se tratava de texto do Alessandro Baricco, autor italiano que participou da FLIP em 2008.

Já havia lido “Seda”, e “Sem sangue” estava na minha estante, à espera de sua vez. Acabei lendo o livro na sexta-feira para me antecipar ao espetáculo. (Como “Seda”, é um livro curto, mais um conto do que propriamente um romance.)

A montagem é bastante curiosa. Você tem a sensação de estar no cinema, e não no teatro. A tela e as projeções são elementos constantes no palco. Compõem o cenário e, em alguns momentos, substituem as cenas. Transformam-se nelas.

[Muito diferente de Avenida Dropsie, em que esses recursos são utilizados com outro propósito, ‘subordinados’ ao palco.]

A atuação dos atores é caricata a ponto de incomodar. Demorei a me sentir a vontade com essa proposta. Não sei se isso é uma característica do teatro chileno ou se do grupo que estava se apresentando.

Para piorar, parte do público achou aquilo tudo muito engraçado e se pôs a gargalhar, principalmente nas passagens mais dramáticas.

O fato de a peça ser falada em castelhano – afinal, o grupo é chileno – com a projeção das legendas, acentua a idéia de cinema.

Tantos recursos acabam limitando o espaço da imaginação e a composição própria a cada espectador. É uma concepção de teatro diferente, e muito nova para mim. Preciso de tempo para assimilar.

Gostei da peça – que, aliás, foi bastante fiel ao texto do Baricco. Mas não me senti no teatro.

"Quem tá gostando faz barulho"

E quem não está gostando faz o quê? Festa estranha com gente esquisita. Engraçado, até é. Mas só por 15 minutos. Depois disso já tenho vontade de ir embora.

Lugar lotado, empurrões, pisões nos pés, Sheila Carvalho, os passinhos da dança do "Tchan", suor, muito suor, e um tipo gritando "Quem tá gostando faz barulho"? Não, definitivamente, esse não é o meu tipo de programa.

Como disse uma amiga, o melhor da noite foi a sopa!

domingo, 5 de abril de 2009

SESC

Demorei, mas, enfim, descobri o SESC. A programação é ótima e os preços, bastante acessíveis.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Homenagem à uma amiga

Taxista nº1: André. Do aeroporto até Ipanema. Mudo, a princípio. Mas é só dar a deixa – ou seja, fazer uma pergunta qualquer – que ele destrava a língua. Descobri: que ele considera “ishcrota” uma senhora com mais de 70 anos usando calça fusô branca com tanguinha preta por baixo, mas acha muito legal ver um casal de velhinhos caminhando de mãos dadas em “Copa”. Que uma mania de São Paulo que não pegou no Rio de Janeiro foi o roubo de notebooks. Que uma mania de São Paulo que pegou no Rio de Janeiro foi a venda de chicletes pendurando saquinhos de plástico nos retrovisores dos carros que param nos sinais.

Taxista nº2: Esse não se apresentou. Também começou mudo, mas dei a deixa. Pronto. Ajeitou o espelhinho para poder falar olhando para mim. Depois puxou bem o banco do carona para me dar mais espaço. Desdobrou-se em gentilezas e sorrisos. Conversou comigo de Ipanema até a Gávea. Falou da construção da ponte Rio-Niterói e da história do Rio. Moço interessante.

[Interrupção da homenagem para um comentário de próprio punho: O conceito contemporâneo de servidão me incomoda. Do garçom, do taxista, do porteiro. Pessoas sem nome. História. Passado. Vontade. Expectativas. Temperamento. Prestam um serviço. Você paga por eles. Direta ou indiretamente. Gravitam ao nosso redor como se fossem invisíveis. Às vezes falam comigo e eu sequer escuto, distraída, como se eles fossem parte do cenário. Gosto de pessoas. De conhecer pessoas. Observar os que passam por mim. Não importa se trocaremos olhares, cumprimentos, palavras ou se apenas vamos compartilhar por alguns segundos o mesmo lote de ar atmosférico, poluído ou não. Quem sabe um virusinho qualquer. Minha história é construída instante a instante. A cada respiração.]

Taxista nº3: Uma rua perdida. Ninguém sabia onde ficava. Em nosso mapa simplificado, ela sequer aparecia. Mas escolhemos o taxista certo. Ou terá sido o contrário? Assim que mencionamos o nome da rua, ele abriu um sorriso largo. Conhecia. Devia ter um sessenta e tantos anos. Contou que trabalhou na Europa. Até na Rússia. Foi motorista de ônibus. Falou do filho, orgulhoso. Isso tudo apesar de um problema de audição denunciado pelo aparelhinho branco preso ao ouvido. Velhinho simpático.

Taxista nº4: Carioca não sabe caminho. Nem nome de rua. E – pasmem! – os taxistas se incluem nesse grupo. É a coisa mais engraçada (ou irritante – dependendo do dia) de se ver. Não conhecem as ruas, não sabem o caminho e sequer se preocupam com isso. Parece que, lá, essa obrigação cabe ao passageiro. Não usam GPS e não vi ninguém consultar um simples guia. Pegamos um táxi do Parque Lage até Santa Teresa. O taxista era um senhor mais velho e bem humorado. Depois de perguntar se sabíamos o caminho, deu uma risada divertida antes de declarar: “Pó dexá que nós chegamo lá. Três cabeças pensam melhor que uma”. Chegamos.

Taxista nº5: Foi o primeiro taxista que reclamou do rio. Da cidade, melhor dizendo. E foi o último com quem conversei, pois me levou da Lagoa até o Santos Dumont. Fiquei surpresa, afinal, no Rio de Janeiro, o maior elogio que um carioca pode fazer é “logo, logo a moça vira carioca”. Não esse taxista. Esse queria se mudar para Paraty. Está a uma semana de se aposentar. Quer viver no meio do mato, segundo ele. Naquele lugar mais lindo de se ver, segundo ele. Quem sou eu para discordar!