domingo, 26 de outubro de 2008

Como no céu / Livro de visitas

É difícil ser racional quando o tema é poesia. De que adianta admirar a originalidade do tema, o domínio da linguagem, a melodia, a fluidez do texto se essa poesia não te emociona? Se todas essas letras e palavras que se juntam não te comovem?

A poesia é passional. É relação a dois. Ela precisa tocar em algum ponto sensível e esquecido de si mesmo. Você precisa passar dias arrastando o livro de um lado para outro dentro de casa, na bolsa, espalhando papeizinhos para marcar os poemas que tem que reler, abrir uma página à toa e ler mais um antes de dormir, grifar uma palavra, uma frase, uma página – mas, a lápis, para não estragar o livro. É preciso espalhá-los pela cama.

Com o Carpinejar foi assim. Li uma poesia numa matéria de jornal, depois uma matéria assinada por ele numa revista. Peguei um livro dele para folhear, escolhi pela capa, numa livraria. Jurei que só ia olhar. Comprei. Li e adorei. Paciência. Não se pode negar a própria natureza!

Gosto da supremacia das idéias – aparente ou não – sobre o texto. Gosto das palavras simples e gosto do gosto das palavras.

Ficha Técnica: "Como no Céu / Livro de Visitas", de Fabrício Carpinejar, Editora Bertrand Brasil.

Gaveta de papéis

Cada vez que leio, encontro algo novo. Da primeira vez, a curiosidade me fez ler tudo na mesma hora. É um livro pequeno e rápido. Terminei e fiquei perdida.

Comecei outra vez. Então com calma. Um poema por vez. Mentira, não consigo ler um por vez. Mas poucos por vez. Primeiro em pensamento, depois em voz alta. Sempre faço isso. Preciso ouvir o som das palavras.

Senti ciúme do poeta. Das viagens, dos amores, das emoções, sensações. Ciúme ou inveja. Difícil dizer. É bom partilhar das emoções alheias, extravasar, exorcisar as nossas nelas. Mas isso também me lembra da minha incapacidade de exorcisar as minhas próprias, sem escadas, sem muletas, fugas, escapatórias. O texto de Peixoto é uma espécie de vício.

Rio das Flores

Fiel a minha fase “portuguesa”, acabo de ler “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares. Conheci o autor por acaso, mudando os canais da TV e dando com ele no Roda Viva. Foi assim que resolvi ler o livro. A história se passa entre Portugal e Brasil. O autor narra a história de uma família portuguesa, mais precisamente de dois irmãos, na primeira metade do século XX, no entre guerras.

Os personagens conquistam com facilidade, a narrativa flui como o rio do título. Dá para sentir o cheiro do ar. Do calor do Brasil. Do calor e do frio de Portugal. Da terra.

Irmãos que se amam apesar das diferenças. Que se decepcionam um com o outro, que não se compreendem, que assumem posições opostas na vida. E se amam. E são irmãos.

Há uma sensação de “pertencimento” que atravessa toda a obra. Dos personagens com a terra e das mulheres com os homens. Não se trata de amor. O amor é outra coisa. Mas sim de sentido, direção, diretriz, razão de ser. A relação homem-mulher no viés do macho e da fêmea, sem que isso signifique submissão ou humilhação ou simples apelo ao sexo. A eterna ânsia da completude. A noção e o reconhecimento dessa necessidade atávica, inata, fisiológica. E a sensualidade que perpassa os cenários, diálogos e corpos que se tocam ou não.

O modo como a história da família se contorce e se confunde com a historia de Portugal, do Brasil e do mundo é apaixonante. A vida, as decisões de cada um, o destino são induzidos, conduzidos, confundidos com a história de todos, de nações inteiras, de continentes e mundos. Separados e indissociáveis simultaneamente.

Há uma reflexão necessária nisso tudo. Quando os irmãos, assumindo posições opostas numa guerra deflagrada e buscada, se confrontam, não se pode recusar a similitude, a semelhança. A guerra é guerra por si só. Todos os lados são maus. Todos guerreiam. E lutar é lutar. Somos todos iguais nesse instante. A violência instala-se de lado a lado. Não há bem ou mal, mocinhos e bandidos. As atrocidades de um lado são ‘contrabalançadas’ pelas atrocidades do outro.

Engraçado o olhar português sobre o Brasil, muitas vezes carinhoso. Parece que eles se identificam mais com o Brasil do que o Brasil com eles. O Brasil como alegria. Sem o ranço, sem o peso, o cansaço, a tristeza e a idade da Europa. A juventude do Brasil. O país por descobrir. O tamanho, a largueza das fronteiras.

E, entre tantas alegrias e tristezas, amores e traições, a catarse: “Queres mesmo?” “Quero muito.” É preciso ler.

sábado, 25 de outubro de 2008

Seda

Difícil escrever sobre Seda. Antes de mais nada, não sei dizer o que é. Um conto? Uma fábula?

É uma história. E isso basta. Uma história de amor. Não só o amor romântico, mas o amor amigo, companheiro. Pessoas que se importam e que cuidam umas das outras.

Um homem de negócios, bem sucedido, que entrega a sua vida aos caprichos da sorte. Ou, talvez, não se trate disso. Talvez a disputa não seja com a sorte, mas com si mesmo.

O senso dever e obediência, suplantado por uma paixão. Não por uma mulher, mas pelo desconhecido, pelo mundo talvez.

E, no final, o amor de uma mulher. Sempre o amor de uma mulher.

Ficha Técnica: "Seda" (2007), de Alessandro Baricco, Companhia das Letras

domingo, 5 de outubro de 2008

Eleições 2008

Fim de semana de eleição. O máximo que pude cumprir do meu dever cívico foi justificar minha ausência. Ausência de interesse pelos debates dos candidatos na TV e nos jornais. Ausência de capacidade em confiar que o destino da cidade será melhor ou pior nas mãos deste ou daquele político. Ausência de vontade de brigar por mudanças. Ausência de paciência para filas. Ausência de arrependimento por ter votado em um ou outro.

A verdade é que não acredito que a política faça diferença. O governo é reflexo do que nós somos. Não acredito que alguma mudança possa ocorrer por meio de voto. Acho que qualquer mudança no governo virá sempre como conseqüência daquilo que somos como povo.