terça-feira, 13 de novembro de 2007

Ser e parecer

“Não basta à mulher de César ser honesta, ela tem de parecer honesta”. O ditado é velho e conhecido. Não há como negar. Então porque ninguém o leva a sério? Não se acredita mais na sabedoria popular?

Hoje li matéria anunciando a criação de um mega shopping em São Paulo, o Shopping Pari – com 30 mil m2, 2 mil comerciantes e uma expectativa de público que chega a 10 mil pessoas por dia.

O empreendimento é mais uma iniciativa do já conhecido Law Kin Chong. A julgar pelo histórico do empresário, tem tudo para dar certo. Afinal, ninguém melhor do que ele sabe o que está fazendo.

Mas o que chama mesmo a atenção é o apoio da subprefeitura da Mooca a esse novo centro comercial.

Não é só o histórico profissional de Law Kin Chong que é bastante conhecido, sua “ficha corrida” também. Condenado por corrupção, foi preso em 2004 e hoje cumpre pena em regime aberto. Responde ainda a dois outros processos: um por contrabando e outro por formação de quadrilha.

Não se pode negar ao empresário o direito de trabalhar. Apesar de condenado, ele vem cumprindo sua pena. Quanto aos outros processos, ainda não há condenação. (Você pode até discordar da lei, porém é assim que funciona.)

Mas daí ao Estado apoiar a iniciativa de Law vai uma grande distância. Pior ainda o comentário atribuído ao subprefeito da Mooca de que a sua competência se restringiria a verificar a documentação e a segurança do local. O resto seria problema da polícia.

Parece que ele esqueceu que tanto ele quanto a polícia representam, para nós, cidadãos, o Estado. Já somos uma sociedade de descrentes. Poucos acreditam na idoneidade do Estado, em especial da Administração Pública. Mas se esta não se der ao trabalho de ao menos cuidar da sua imagem, nem essa pouca credibilidade há de restar.

Quando começaram a surgir, eu tive dificuldade em entender como esses espaços – centros comerciais onde se vende mercadorias, piratas ou não, sem nota fiscal e a preços baixos, para dizer o mínimo – poderiam funcionar assim, publicamente, em lugares conhecidos e de fácil acesso.

Depois veio a polícia federal, com seus carros e agentes. Passaram a estacionar, de tempos em tempos, em cima das calçadas, atrapalhando a circulação dos pedestres, e a derramar um montão de agentes armados pelos corredores estreitos desses centros comerciais, recolhendo mercadorias e fechando lojas. Ainda assim, os tais centros continuaram funcionando.

Agora isso. O Estado como grande apoiador desse novo “shopping popular”, comandado por Law Kin Chong.

Assim fica cada vez mais difícil entender alguma coisa.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Homem-Aranha

Em que momento perdemos a capacidade de acreditar? Na semana passada, o homem-aranha ganhou os noticiários nacionais. Não o homem-aranha personagem de ficção, mas sim um homem-aranha real. Um menino de 5 anos fantasiado.

O motivo de toda essa repercussão foi um feito pra lá de heróico, desses de por personagem de HQ no chinelo. O menino entrou numa casa em chamas para salvar uma menina de menos de 2 anos que estava presa lá dentro. Conseguiu. Saíram de lá ilesos.

A justificativa para essa atitude, a razão de nenhum medo? “O homem-aranha não é fraco e não tem medo de nada”, declarou o moleque. Aquela simples fantasia, um pedaço de pano colorido, era o suficiente para transformar o menino em herói. E não havia espaço para dúvidas.

Tentei lembrar de quando eu era criança, mas não consegui. Minha memória é péssima. Mas me lembrei das crianças que vemos por aí, andando nas ruas fantasiadas, voltando da escola ou de uma festinha, e do rosto delas, da alegria, do encantamento, da certeza de serem princesas, fadas, índios, super-heróis.

Qual a diferença entre a imaginação e a realidade? Não vejo muita. Tanto uma como outra produzem efeitos muito parecidos: alegria, dor, coragem, medo, enfim, todo um portfólio de emoções. Mudam o tempo todo. Fogem ao nosso controle.

Quando é que perdemos a capacidade de imaginar e de acreditar em nossa imaginação? Acho que cedo demais. Cada vez mais cedo.

Há 15, 2o anos, fomos jovens sem ideologias, só tédio. De lá pra cá, alguma coisa mudou?

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Seja feliz, mate um político!

Hoje, no caminho para o trabalho, um grafite me chamou a atenção. Mostrava uma menininha meiga, com cara de propaganda de margarina dos anos 60. Um vestidinho branco, estampado, com babadinhos na barra. Sapatinho boneca.

No ombro, um lança mísseis. A estampa do vestidinho: caveiras. Logo acima do desenho, uma frase, quase um slogan: “Seja feliz, mate um político!”.

Letrinhas vazadas à régua, sérias, trabalho cuidadoso, e não uma pichação qualquer, feita às pressas, rápido e escondido. Era mesmo um grafite.

O pior é que não deu pra segurar um sorriso. Engraçada essa nossa catarse. Já faz tempo que temos eleições diretas no país, mas ainda não nos parece que somos responsáveis pelas pessoas que governam, os tais políticos.

A idéia geral é de que todo político é corrupto. Na verdade, parece que “política” virou espécie do gênero corrupção. Quem se aventura a defender a classe? É a expressão máxima do determinismo. Se é político, é corrupto, não há nada mais a fazer.

A solução para alguns, como nosso amigo grafiteiro, parece ser o extermínio. Mata-se todo mundo e assim resolve-se o problema.

Mas, na verdade, mais do que uma proposta, a menininha em sapatinhos de boneca parece ser uma espécie de desabafo. “Quero deixar bem claro que vocês não estão me enganando. É verdade, eu estou aqui no meu canto, vivendo a minha vida, conivente. Mas eu sei muito bem o que vocês estão fazendo e não concordo com isso”.

Ninguém quer reconhecer que ainda tem uma esperança, uma esperançazinha boba, de ver as coisas acontecerem, de ver alguém – assim indeterminado, sem nome, sem rosto, sem voz – resolver tudo. Temos vergonha de admitir esse pensamento ingênuo, e ridículo. A idéia do salvador da pátria.

Queríamos tanto que fosse diferente! Mesmo não fazendo nada – por não sabermos o quê ou como, ou mesmo por termos medo de sair perdendo nessa história – esperamos que alguém faça. Os “políticos”. Será que não dava pra eles fazerem alguma coisa boa? Já que prometem tanto!

Esperança desatendida. Expectativa frustrada. Raiva.

Um míssil dirigido ao Congresso Nacional para acabar com tudo. Desde que não fosse lançado às segundas ou sextas-feiras, ou durante os recessos, as férias, os períodos de descanso, de festas, ou pré-eleitorais, pois, nesses casos, certamente encontraria o plenário vazio. Nada de explosivos, só frustração, desalento, desesperança, tristeza mesmo.

Lidamos melhor com o humor.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Quase bonito

Eu andava feliz porque tinha descoberto que conseguia ler no ônibus. Lá ia eu, todo santo dia, com um livrinho na bolsa. Lia na ida para o trabalho. Lia na volta. Uma delícia a sensação de que não estamos perdendo tempo no trânsito.

Mas minha felicidade durou pouco. Com a reforma das calçadas da Paulista, acabaram com meu ponto de ônibus, e o próximo, ficou longe demais. Agora, em vez de seguir pelo “cartão postal de São Paulo”, sigo por outra avenida. Tenho menos opções de linhas, mas o trânsito flui melhor. Só então eu percebi a razão de eu, enfim, ter conseguido ler no ônibus sem fica enjoada: o trânsito da Paulista (era como ler parada).

Todo esse preâmbulo para dizer que, como agora não posso ler, fico observando os “passantes”. Hoje vi uma blusa verde. De relance, achei linda. Olhei de novo e vi um detalhe, um detalhezinho mínimo, uma pequena plaquinha de metal, que arruinava tudo.

Quase bonita. A blusa passou perto de ser bonita, o que não significa dizer que ela era sequer usável. Não era. O “quase” significa que ela se desviou por um triz. Com uma mudança mínima, poderia ser bonita, mas, do jeito que estava, era horrorosa. Da blusa, passei para todo o resto.

Seu relatório está quase bom. Estou quase terminando. Ele está quase conseguindo. Quase, quase, quase. Não significa, necessariamente, que você está a um passo de concluir alguma coisa. Pode indicar apenas que você se perdeu por um nada, ou “quase” nada. Enfim, “quase” não é elogio.

Ela quase se casou com o Ernesto, mas ele acabou escolhendo a vizinha. Ele quase conseguiu aquele emprego, não fosse ter bebido antes da entrevista para tomar coragem. Eles quase compraram a casa, pena que não tivessem o dinheiro. Eu quase acertei um soco nele.

Fiquei imaginando uma pessoa “quase bonita”. Uma pessoa quase bonita pode não ser sequer apresentável. Se não fosse o nariz, ele seria bonito. Mas o nariz – aquele nariz – arruína tudo. Você tenta olhar para o dedão do pé do cara, mas o nariz não deixa, atrai seus olhos como um imã.

Eta palavrinha traiçoeira!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A ditadura da escova

Eu resisti o quanto pude. No final, porém, capitulei. Abandonei meus cachos – na verdade, foram eles que me abandonaram primeiro – e aderi à escova. Escova, e não chapinha! Isso sim teria sido o fim do poço. Foi como descobri um novo universo de torturas e preocupações.

A primeira dificuldade é explicar de que jeito eu gosto do meu cabelo. A comunicação nunca foi tão difícil. E olhe que eu me considera especialista no assunto! (Especialista é alguém capaz de analisar e pôr defeito em tudo, e não, necessariamente, quem sabe fazer direito.) Tive que apelar para imagens grosseiras: não quero nada que se pareça com uma cúpula de abajur ou com as cerdas de uma vassoura. Descobri também que o conceito de “cabelo natural” é bastante fluido.

Nada de sprays e cremes com cheiro de baunilha ou de qualquer outro doce. No final da tarde, eles me dão enjôo ou fome. De preferência, nada de cheiro, pois aí também não há consenso possível.

Depois a preocupação com o sereno, a garoa, a chuva. O suor na ginástica. O vapor do banho. A técnica desenvolvida para se manejar o guarda-chuva ao entrar ou sair do carro – o que requer muita sincronia e um timing perfeito. (Abra uma fresta da porta, o suficiente para passar sua mão, estique o braço para fora e abra o guarda-chuva antes de passar seu corpo pelo vão – molha um pouco o carro, é verdade, mas quem se importa?!)

Esta semana, no entanto, vivi o ápice: descobri uma nova técnica, talvez milenar, quem sabe.

Da cozinha ao salão – Se você já fez escova um dia, sabe que, além de puxarem seus cabelos – aqueles fiozinhos que se enroscam do lado da escova –, muitas vezes sofremos queimaduras, ora no couro cabeludo, ora nas orelhas. Coisa leve, na maioria das vezes.

Por conta disso, alguém teve a brilhante idéia de desenvolver essa técnica especial, que faz uso de um artefato de madeira, muito comum e freqüentemente utilizado nas cozinhas brasileiras, de cabeça arredondada e côncava e cabo comprido.

O que eu vi era todo pintado à mão – por uma criança talvez? – azul, vermelho, verde e amarelo. Um capricho! Você simplesmente apóia a parte côncava contra a sua orelha, segurando pelo cabo, para protegê-la do secador.

Agora pare um momento e imagine a cena. Detalhe: a frente do salão de “beleza” é toda de vidro e dá para uma galeria, como se fosse uma loja. Quem passa por ali – e não é pouca gente – vê tudo o que acontece lá dentro.)

Pois é, a imagem não é muito bonita. E confesso que a técnica não é lá muito moderna nem exige aplicação de grandes avanços tecnológicos. Mas a verdade é que funciona.

Eu, particularmente, desconfio de todo o processo. Por que ficar tão feia e sofrer tanto só para ficar bonita? Será que é essa a técnica dos salões de beleza? Por pelo menos meia hora você fica se olhando naquele espelho, sentindo-se ridícula e sofrendo. Assim, quando a sessão de tortura acaba você acha tudo lindo e maravilhoso, inclusive você. Não seria mais fácil quem tem cabelo liso usar liso e quem tem cabelo crespo usar crespo?

Quanto a mim, como, no momento, meus cabelos crespos não estão mais crespos, mas apenas rebeldes, não tenho outra opção se não deixá-los lisos. Portanto, vamos à escova!

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Nóia

Decididamente, ando sem paciência. Hoje tive a prova disso. Estava tomando meu tradicional café, quando duas garotas passaram por mim e se sentaram no sofá às minhas costas. Chegaram falando e continuaram falando sem parar.

Falavam rápido. Só consegui pescar algumas palavras soltas. Mas já foi o suficiente para ter uma idéia do que se seguiria.

Givenchy - umas micro-cápsulas que se adaptam à sua cor de pele - é tipo assim - mó legal - entendeu?

Obviamente o assunto era maquiagem. O quê, exatamente, não sei. Até aí, tudo bem. Apesar de elas não conseguirem transformar uma só pensamento numa frase completa, minimamente organizada, eu ainda estava agüentando.

É foda! - mó conceituada - juuuura?! - é tréshi - tá ligado - aaahh, dá licença, meu! - um puta role.

Repetia para mim mesma: “Calma, você tem 35, e não 70. Deixa as meninas em paz. Que tal um pouquinho de auto-controle?”.

O problema era que, além do linguajar, a temática também não era lá essas coisas. “Eu assumi, sou perua mesmo! E daí? Gosto de usar salto, uso blush todo dia. Ah, dá licença! Eles têm medo de... do diferente, tem que ser todo mundo igual.” O tom era um misto de desabafo e desafio. Ou talvez fosse pura exibição mesmo, só para impressionar a amiga.

“Será que aqui pode fumar?” Quem perguntou foi a “auto-proclamada” perua. Eu gelei. Olhei para o lado, angustiada, na esperança de encontrar aquela plaquinha que eu adoro (melhor dizendo: a-d-o-r-o!!!). Achei. “Pode, tenho certeza. Vou pegar o cinzeiro pra você.”

Momento de tensão. Eu me remexi no sofá, incomodada. Minha vontade era de me intrometer na conversa e mostrar o aviso de proibido fumar – havia um ao lado de cada mesa. Mas achei melhor aguardar o desfecho. A amiga solícita logo voltou de mãos vazias. Ufa!

“E aí, amiga? Tá feliz casada? Mulher determinada, você, hein?” – perguntou a amiga que havia desistido de fumar.

Um aparte: as amigas aparentavam não ter sequer 20 anos. Pareciam mesmo duas menininhas de 14 anos brincando de gente grande, com seus vestidinhos pretos, da moda, e bolsas coloridas – de verniz, claro.

A casada, que se declarou felicíssima – “afinal você sabe o tanto que eu gosto dele” – estava, há poucos minutos, reclamando do tratamento recebido do marido. “Eu levanto pra trabalhar e ele fica lá dormindo. Tenho que subir até a Paulista e ainda pegar o metrô. E ele nem pra me levar. Quando eu morava com a minha mãe, ela sempre me fazia isso.”

“E a Alice?” – quis saber a outra, falando um tom mais baixo, como se a tal Alice pudesse estar ali por perto, ouvindo toda a conversa, que até então vinha se desenvolvendo em alto e bom som. Um tanto alto demais para o meu gosto!
“Ah, tipo, ela entra no meu orkut direto. Nóia total!”

Acho que foi nessa hora que o ogro veio à tona, ou melhor, a ogra, no bom estilo “princesa Fiona”. Levantei da mesa com pressa e saí de lá quase correndo. Nóia total mesmo. E tem gente que ainda reclama de envelhecer!

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A lei do empurrão

A idéia não foi minha, mas endossei no ato. Seria mais ou menos assim: “Qualquer cidadão fica autorizado a empurrar o seu próximo sempre que este parar abruptamente em local inadequado”. Restaria instituída, assim, a “lei do empurrão”.

Muito civilizada, ela se aplicaria às situações do cotidiano. No shopping, por exemplo. No final da escada rolante, quando a pessoa à sua frente simplesmente pára, indecisa, sem dar um passo sequer, nem pra frente nem para os lados. Nesses casos, você estaria autorizado a dar um empurrãozinho nela (até porque dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço). Nada violento, claro. Apenas o suficiente para a dita cuja sair da frente e dar passagem. Justo, não?

A regra também valeria para os “transeuntes” da Oscar Freire, por exemplo. Afinal, calçada é calçada, seja ou não chique. Quem quiser parar para olhar vitrine, que pelo menos se aproxime dela. Outra opção é seguir pela calçada andando bem lentamente, virando a cabeça para todos os lados, só pra dar bandeira de que está “só passeando”.

O que não dá é para caminhar normalmente, como se estivesse apenas indo de um lugar para outro, e daí, de repente, estacar no meio da calçada sem sinal ou aviso, pra namorar um casaquinho na vitrine. Pior ainda se estiver puxando um cachorrinho pela coleira. E pior ainda mais se o cachorrinho estiver usando “roupinhas”. Mais uma vez, autoriza-se o empurrão.

E os exemplos se repetem:

1) Pessoa parada na porta de saída do ônibus, mas que não vai descer naquele ponto, nem nos 5 próximos, geralmente, e que, mesmo quando o ônibus pára no ponto e abre a porta, não se move um centímetro para o lado para dar passagem para o coitado que quer descer.

2) Grupo de pessoas que, caminhando lado a lado, a passo de tartaruga – geralmente na ida ou na volta do almoço, porque na saída do trabalho todo mundo anda rapidinho –, bloqueia toda a calçada, impedindo a ultrapassagem de um pedestre apressado – como eu, por exemplo, que ando quase correndo.

3) Pessoa à sua frente numa longa e demorada fila de espera que não se toca que a fila andou e fica ali, parada na sua frente, plantada no chão feito árvore.
Há muitas outras situações em que a lei do empurrão viria bem a calhar, mas acho que, a essa altura, a proposta da lei já ficou clara. De qualquer modo, não pretendo cansar o leitor.

Para não haver confusão, quero deixar bem claro que sou contra a violência. Não estou propondo aqui nenhuma forma de agressão. Trata-se de um simples empurrãozinho. Bem de leve. Só para dar vazão aquela irritação momentânea provocada pela distração alheia.

Nem poderia ser diferente. Afinal – e é bom lembrar –, muitas vezes somos nós que fazemos o papel do “próximo” nessa história. Paramos assim, sem aviso, em qualquer lugar, para atender o celular, para checar se o batom e as chaves da casa estão mesmo dentro da bolsa, para conferir o preço daquela bolsa linda que está na vitrine daquela lojinha nova que abriu ali do lado.

Ta aí a prova de que a lei do empurrão é muito civilizada. Um dia você empurra, no outro, é empurrado.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Terceiro Mandato

Dizem que o ser humano é um dos únicos animais – se não o único – capaz de aprender com seus próprios erros. Não parece. Mesmo depois de optarmos, no Brasil, pela democracia, e tendo consciência de sua incompatibilidade com a concentração de poder nas mãos de uma só pessoa ou grupo, agora discutimos a possibilidade de modificar a Constituição Federal para permitir um terceiro mandato ao presidente em exercício.

Eu não entendo nada de política, mas convivo com a raça humana há 35 anos. Tempo suficiente para constatar que os riscos e estragos efetivos decorrentes dessa perpetuação do poder são fáceis de identificar e difíceis de conter.

Não acredito que essa continuidade seja benéfica – não importa quem seja o presidente. Acho mais do que saudável o conflito de idéias e posições, ou seja, a existência das tais “vozes dissonantes”. Quando o poder se confunde com a pessoa que o exerce, fica muito difícil determinar seus limites.

O homem sempre se deixou fascinar pelo poder, e isso invariavelmente terminou em desastre. Daí os mecanismos desenvolvidos para impedir essa perpetuação. A proibição da reeleição foi um deles. Mas, embora essa vedação tenha sido adotada por nossa CF, em 1988, acabou sendo derrubada em 1997, por uma emenda constitucional, a 16ª – só para constar, já estamos na EC nº 55.

O argumento, duvidoso, a favor da reeleição era de que o mandato instituído seria muito curto, insuficiente para que o governante implementasse seu programa. Como se o governante trabalhasse sozinho. Como se falássemos do programa de uma só pessoa, e não de um governo. Como se tal continuidade não pudesse – e devesse – ser alcançada pela eleição de um outro candidato que comungasse os mesmos propósitos do governante anterior.

No campo da política, a América Latina vem passando por muitas transformações, como indicam os respectivos perfis e programas políticos dos atuais presidentes do Equador (Rafael Correa), da Bolívia (Evo Morales) e da Venezuela (Hugo Chávez). Também na Argentina a alternância no poder parece comprometida com a recente eleição de Cristina Kirchner (ou “rainha” Cristina, como é chamada) para a presidência, o que mais parece uma reeleição disfarçada do seu marido, Néstor Kirchner, pois há fortes indícios de que ele seguirá no poder.

Recentemente, Chávez, em busca do seu “socialismo do séc. XXI”, conseguiu a aprovação da Assembléia Nacional (sujeita, ainda, a referendo popular) para uma reforma constitucional que lhe permite, entre outras coisas, a possibilidade de reeleições ilimitadas. Quando leio isso, fico feliz por não ser venezuelana. Mas será que o Brasil é tão diferente assim da Venezuela?

Essa história de terceiro mandato me fez pensar. Aqui a gente muda a constituição a toda hora e não consegue garantir um mínimo de educação ao nosso povo – às vezes, nem o acesso a ela. Então, que massa crítica formamos, afinal?

Como diria minha avó, “onde passa boi, passa boiada”. Se essa história de terceiro mandato colar, fico imaginando onde vamos parar.